terça-feira, novembro 26, 2013
Altamiro Borges: Barbosa e a face tenebrosa da maldade
Altamiro Borges: Barbosa e a face tenebrosa da maldade: Por Luis Nassif, no Jornal GGN : A disputa política permite toda sorte de retórica. Populistas, insensíveis, reacionários, porra-loucas...
sexta-feira, novembro 15, 2013
Ação Penal 470: uma exceção para a história
Não enxergo qualquer efeito pedagógico nesse julgamento e não desejo em hipótese alguma que se repita em outros processos futuros.
Ao bem afamado Péricles, o ateniense, é atribuída a opinião de que, embora sendo certo que nem todos têm sabedoria para governar, a capacidade de julgar um governo em particular é universal. A observação parece valer com razoável generalidade. Por exemplo: nem por faltar um diploma em medicina está um adoentado impedido de avaliar a competência do profissional que o assiste. Assim, ainda que não portador de títulos ou conhecimentos para ocupar assento no Supremo Tribunal Federal, tenho como direito constitucional e recomendação de um clássico grego inteira liberdade para opinar sobre a Ação Penal 470.
Posso dispensar a cautela de não me indispor com aquele colegiado, pois não tenho licença para advogar oficialmente ou não a causa de quem quer que seja. E contrariando desde logo o juízo de algumas pessoas de bem, não enxergo qualquer efeito pedagógico nesse julgamento e não desejo em hipótese alguma que se repita em outros processos. Falacioso em seu início, enredou os ministros em pencas de distingos argumentativos e notória fabricação de aleijados fundamentos jurídicos. Não menciono escandalosos equívocos de análise com que a vaidade de alguns e a impunidade de todos sacramentaram, pelo silêncio, o falso transformado em verdadeiro por conluio majoritário. Vou ao que me parece essencial.
A premissa maior da denúncia postulava a existência de um plano para a perpetuação no poder arquitetado por três ou quatro importantes personagens do Partido dos Trabalhadores. Até aí nada, pois é aspiração absolutamente legítima de qualquer partido em uma ordem democrática. Não obstante, é também mais do que conhecido que o realismo político recomenda, antes de tudo, a busca da vitória na próxima eleição. Não existe a possibilidade logicamente legítima de extrair de uma competição singular, exceto por confissão dos envolvidos, a meta de perpetuação no poder de forma ilegal ou criminosa. Pois o procurador-geral da República pressupôs que havia um plano transcendente à próxima eleição, a ser executado mediante meios ilícitos.
A normal aspiração de continuidade foi denunciada como criminosa, denúncia a ser comprovada no decorrer do julgamento. E aí ocorreu essencial subversão na ordem das provas. Ao contrário de cada conjunto parcial de evidências apontar para a solidez da premissa era esta que atribuía a frágeis indícios e bisbilhotices levianas uma contundência e cristalinidade que não possuíam. Todos os ministros engoliram a pílula da premissa e passaram a discutir, às vezes pateticamente, a extensão de seus efeitos. Dizer que a mídia reacionária ajudou a criar a confusão, que, sim, o fez, não isenta nenhum dos ministros da facilidade com que caíram na armadilha arquitetada pelo procurador geral e pelo ministro relator Joaquim Barbosa.
Era patético, repito, o espetáculo em que cada ministro procurava nos textos legais quer a inocência, quer a culpabilidade dos acusados. Em momentos, fatos que eram apresentados por um ministro como tendo certa significação, derivada da premissa, e por isso condenava o acusado pelo crime supostamente cometido, os mesmos fatos eram apresentados como significando o oposto e, todavia, servindo de comprovação da culpabilidade do acusado. Exemplo: a ministra Carmem Lucia entendeu que o fato de a mulher de João Paulo Cunha ter ido descontar ou receber um cheque em gerência bancária no centro de Brasília comprovava a tranqüilidade com que os acusados cumpriam atos criminosos à luz do dia, desafiadoramente. Já a ministra Rosa Weber interpretou o mesmo fato como uma tentativa de esconder uma ação ilegal e, portanto, João Paulo Cunha, seu marido, era culpado. Uma ação perfeitamente legal, note-se, o desconto de um cheque, sofreu dupla operação plástica: uma transformou-o em deboche à opinião pública, outra o encapotou como um pioneiro ato blackbloc. Dessas interpretações contraditórias, seguiu-se a mesma conclusão condenatória, pela intermediação da premissa maior, segundo a qual qualquer ato dos indiciados estava associado àquele desígnio criminoso.
Estando os acusados condenados conforme tal rito subversivo, o julgamento de outras acusações (sendo o julgamento “fatiado” como bem arquitetou o relator Joaquim Barbosa, enfiando-o aos gritos pela goela de nove dos 11 ministros) se iniciava assim: tendo ficado provado que o réu cometeu tal e tal crime, lá se ia nova acusação como se se tratasse de um reincidente no mundo do crime em momentos diferentes no tempo. E mais, como se a condenação já estabelecida houvesse confirmado a veracidade da premissa maior sobre a existência de um plano político maligno. Pois assim foi até o fim: a premissa caucionando indícios frágeis – e até mesmo a total ausência de indícios como na fala da ministra Rosa Weber explicando que aceitava a culpabilidade de José Dirceu justamente pela inexistência de provas – e os indícios frágeis, convertidos em condenações, emprestando solidez a uma estapafúrdia premissa.
Foi igualmente lamentável o espetáculo da dosimetria. Como calcular penas segundo a extensão e intensidade do agravo, se a existência do agravo pendia de farrapos de indícios? E como calcular se o que sustentava os indícios era uma conjetura dialeticamente tornada plausível por esses farrapos e para a qual não há pena explícita consignada?
Todos os ilícitos comprovados, e vários o foram, se esclarecem e adquirem sentido terreno quando se aceita o crime confesso de criação e utilização de caixa dois.
Esta outra acusação foi desvirtuada pela mídia e pelos ressentidos de derrotas eleitorais, apresentando-a como tentativa de inocentar militantes políticos.
Notoriamente, buscou-se punir de qualquer modo os principais nomes do Partido dos Trabalhadores. A seguir, sucederam-se os contorcionismos para a montagem de um roteiro em que se busca provar o inexistente.
Não há nada a copiar neste julgamento de exceção – a Ação Penal 470.
Wanderley Guilherme dos Santos
No Carta Maior
Não enxergo qualquer efeito pedagógico nesse julgamento e não desejo em hipótese alguma que se repita em outros processos futuros.
Ao bem afamado Péricles, o ateniense, é atribuída a opinião de que, embora sendo certo que nem todos têm sabedoria para governar, a capacidade de julgar um governo em particular é universal. A observação parece valer com razoável generalidade. Por exemplo: nem por faltar um diploma em medicina está um adoentado impedido de avaliar a competência do profissional que o assiste. Assim, ainda que não portador de títulos ou conhecimentos para ocupar assento no Supremo Tribunal Federal, tenho como direito constitucional e recomendação de um clássico grego inteira liberdade para opinar sobre a Ação Penal 470.
Posso dispensar a cautela de não me indispor com aquele colegiado, pois não tenho licença para advogar oficialmente ou não a causa de quem quer que seja. E contrariando desde logo o juízo de algumas pessoas de bem, não enxergo qualquer efeito pedagógico nesse julgamento e não desejo em hipótese alguma que se repita em outros processos. Falacioso em seu início, enredou os ministros em pencas de distingos argumentativos e notória fabricação de aleijados fundamentos jurídicos. Não menciono escandalosos equívocos de análise com que a vaidade de alguns e a impunidade de todos sacramentaram, pelo silêncio, o falso transformado em verdadeiro por conluio majoritário. Vou ao que me parece essencial.
A premissa maior da denúncia postulava a existência de um plano para a perpetuação no poder arquitetado por três ou quatro importantes personagens do Partido dos Trabalhadores. Até aí nada, pois é aspiração absolutamente legítima de qualquer partido em uma ordem democrática. Não obstante, é também mais do que conhecido que o realismo político recomenda, antes de tudo, a busca da vitória na próxima eleição. Não existe a possibilidade logicamente legítima de extrair de uma competição singular, exceto por confissão dos envolvidos, a meta de perpetuação no poder de forma ilegal ou criminosa. Pois o procurador-geral da República pressupôs que havia um plano transcendente à próxima eleição, a ser executado mediante meios ilícitos.
A normal aspiração de continuidade foi denunciada como criminosa, denúncia a ser comprovada no decorrer do julgamento. E aí ocorreu essencial subversão na ordem das provas. Ao contrário de cada conjunto parcial de evidências apontar para a solidez da premissa era esta que atribuía a frágeis indícios e bisbilhotices levianas uma contundência e cristalinidade que não possuíam. Todos os ministros engoliram a pílula da premissa e passaram a discutir, às vezes pateticamente, a extensão de seus efeitos. Dizer que a mídia reacionária ajudou a criar a confusão, que, sim, o fez, não isenta nenhum dos ministros da facilidade com que caíram na armadilha arquitetada pelo procurador geral e pelo ministro relator Joaquim Barbosa.
Era patético, repito, o espetáculo em que cada ministro procurava nos textos legais quer a inocência, quer a culpabilidade dos acusados. Em momentos, fatos que eram apresentados por um ministro como tendo certa significação, derivada da premissa, e por isso condenava o acusado pelo crime supostamente cometido, os mesmos fatos eram apresentados como significando o oposto e, todavia, servindo de comprovação da culpabilidade do acusado. Exemplo: a ministra Carmem Lucia entendeu que o fato de a mulher de João Paulo Cunha ter ido descontar ou receber um cheque em gerência bancária no centro de Brasília comprovava a tranqüilidade com que os acusados cumpriam atos criminosos à luz do dia, desafiadoramente. Já a ministra Rosa Weber interpretou o mesmo fato como uma tentativa de esconder uma ação ilegal e, portanto, João Paulo Cunha, seu marido, era culpado. Uma ação perfeitamente legal, note-se, o desconto de um cheque, sofreu dupla operação plástica: uma transformou-o em deboche à opinião pública, outra o encapotou como um pioneiro ato blackbloc. Dessas interpretações contraditórias, seguiu-se a mesma conclusão condenatória, pela intermediação da premissa maior, segundo a qual qualquer ato dos indiciados estava associado àquele desígnio criminoso.
Estando os acusados condenados conforme tal rito subversivo, o julgamento de outras acusações (sendo o julgamento “fatiado” como bem arquitetou o relator Joaquim Barbosa, enfiando-o aos gritos pela goela de nove dos 11 ministros) se iniciava assim: tendo ficado provado que o réu cometeu tal e tal crime, lá se ia nova acusação como se se tratasse de um reincidente no mundo do crime em momentos diferentes no tempo. E mais, como se a condenação já estabelecida houvesse confirmado a veracidade da premissa maior sobre a existência de um plano político maligno. Pois assim foi até o fim: a premissa caucionando indícios frágeis – e até mesmo a total ausência de indícios como na fala da ministra Rosa Weber explicando que aceitava a culpabilidade de José Dirceu justamente pela inexistência de provas – e os indícios frágeis, convertidos em condenações, emprestando solidez a uma estapafúrdia premissa.
Foi igualmente lamentável o espetáculo da dosimetria. Como calcular penas segundo a extensão e intensidade do agravo, se a existência do agravo pendia de farrapos de indícios? E como calcular se o que sustentava os indícios era uma conjetura dialeticamente tornada plausível por esses farrapos e para a qual não há pena explícita consignada?
Todos os ilícitos comprovados, e vários o foram, se esclarecem e adquirem sentido terreno quando se aceita o crime confesso de criação e utilização de caixa dois.
Esta outra acusação foi desvirtuada pela mídia e pelos ressentidos de derrotas eleitorais, apresentando-a como tentativa de inocentar militantes políticos.
Notoriamente, buscou-se punir de qualquer modo os principais nomes do Partido dos Trabalhadores. A seguir, sucederam-se os contorcionismos para a montagem de um roteiro em que se busca provar o inexistente.
Não há nada a copiar neste julgamento de exceção – a Ação Penal 470.
Wanderley Guilherme dos Santos
No Carta Maior
segunda-feira, outubro 28, 2013
http://letras.mus.br/los-hermanos/230955
Http://letra.mus.br/los-Hermanos/230955
Primeiro andar
Rodrigo Amarante
Já vou, será
Eu quero ver
O mundo, eu sei
Não é esse lá
Eu quero ver
O mundo, eu sei
Não é esse lá
Por onde andar
Eu começo por onde a estrada vai
E não culpo a cidade, o pai
Eu começo por onde a estrada vai
E não culpo a cidade, o pai
Vou lá, andar
E o que eu vou ver
Eu sei lá
E o que eu vou ver
Eu sei lá
Não faz disso esse drama essa dor
É que a sorte é preciso tirar pra ter
Perigo é eu me esconder em você
E quando eu vou voltar, quem vai saber
É que a sorte é preciso tirar pra ter
Perigo é eu me esconder em você
E quando eu vou voltar, quem vai saber
Se alguém numa curva me convidar
Eu vou lá
Que andar é reconhecer
Olhar
Eu vou lá
Que andar é reconhecer
Olhar
Eu preciso andar
Um caminho só
Vou buscar alguém
Que eu nem sei quem sou
Um caminho só
Vou buscar alguém
Que eu nem sei quem sou
Eu escrevo e te conto o que eu vi
E me mostro de lá pra você
Guarde um sonho bom pra mim
E me mostro de lá pra você
Guarde um sonho bom pra mim
Eu preciso andar
Um caminho só
Vou buscar alguém
Que eu nem sei quem sou
Um caminho só
Vou buscar alguém
Que eu nem sei quem sou
terça-feira, outubro 15, 2013
Bolsa
- Associação Internacional de Seguridade Social - concede seu maior prêmio ao Bolsa Família; reconhecimentos ocorrem apenas de três em três anos; atacado no Brasil, programa foi julgado como "experiência excepcional e pioneira na redução da pobreza"; em entrevista coletiva no Ipea, nesta manhã, ministra do Desenvolvimento Social, Tereza Campello, afirma que "premiação internacional reconhece o esforço do país para construir uma rede de proteção social"; estudo inédito do instituto sobre o impacto da iniciativa na economia revela que se o Bolsa Família fosse extinto, a pobreza passaria de 3,6% para 4,9%; além disso, cada real gasto com o programa faz a economia girar 240%.
247 - O governo não tem como não comemorar. Polêmico no Brasil, onde é alvo de ataques em razão de falhas pontuais e, também, pelo que é visto por muitos como 'caráter assistencialista', o programa Bolsa Família acaba de receber aquele que é considerado o prêmio Nobel da seguridade social.
Trata-se do Award for Outstanding Achievement in Social Security, concedido pela Associação Internacional de Seguridade Social. Com sede na Suíça, essa entidade foi fundada em 1927 e é reconhecida por 157 países e 330 organizações não governamentais. O grande prêmio, concedido depois de uma série de pesquisas in loco, só é concedido a cada três anos.
O Bolsa Família, que está completando 10 anos de existência no atual formato, foi considerado pela ISSA como "uma experiência excepcional e pioneira na redução da pobreza e na promoção da seguridade social".
sábado, outubro 12, 2013
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Nuno Ramos
Arquivo "Última Hora"
ACHO QUE NUNCA TORCI TANTO POR UM JOGADOR COMO TORCI POR REINALDO; TUDO EM SEU FUTEBOL ERA LINHA E CLARIDADE
Foi a primeira vez que reparei nele. Hoje lembro pouco, mas acho que foi contra a Iugoslávia, talvez em 1977, num amistoso da seleção em que (isso eu tenho certeza) ele estreava. Um clássico: a matada no peito, o chapéu no zagueiro e o chute no ângulo, sem que a bola picasse. Nada indicava esforço, tensão muscular ou grandes gestos, apenas uma grandeza serena e quase anônima de um semi-adolescente que ninguém conhecia ainda. Foi a primeira vez que confirmei aquilo que um rumor, vindo lá do campeonato mineiro, anunciava há algum tempo: um fora-de-série aparecia. Foi, também, uma das únicas vezes em que o vi jogar sem que estivesse machucado, sem precisar consultar aquele estranho gabarito que sempre o acompanhou: imagine o que faria com quatro meniscos.
Acho que nunca torci tanto por um jogador como torci por Reinaldo. Tudo em seu futebol era linha e claridade. Os dribles eram desconcertantes, mas nunca naquele sentido esfuziante, Denílson do termo. Eram de algum modo compostos, quase sóbrios, estranhamente lentos e sempre em direção ao gol.
Batia com as duas, mas seus chutes pareciam mais colocados do que fortes, como se resultassem de um cálculo preciso. O importante é que nada fosse desperdiçado. Havia uma espécie de nitidez intelectual no que fazia, extremamente rara num centroavante (apropriada, talvez, a um camisa 10), e que outro mineiro, o centroavante-armador Tostão, provavelmente inaugurara nessa posição.
Mas, acima de tudo, quem torcia por Reinaldo torcia pela fluência, pela facilidade, pelo modo desobstruído de vencer os zagueiros. A essa força construtiva -como um eleito a quem não pesassem os buracos da grama, a velocidade da bola, o calor do sol, as botinadas dos zagueiros-, a essa coesão clássica que seu primeiro gol na seleção definiu e batizou, opunha-se uma outra força, vinda das profundezas mais remotas, que está para o futebol um pouco como a morte está para a vida: aquela que vem das contusões.
Não lembro de outro jogador que tenha sido acompanhado tão constante e profundamente, e desde o início da carreira, por esse demônio lento infiltrado no joelho, na panturrilha, nas cartilagens das juntas. É através das contusões que o corpo do jogador, desobrigado de suas habilidades, retorna à generalidade de ser um corpo, um corpo qualquer e então manca e sente pontadas e não pode nem sequer apoiar o pé no chão. Reinaldo, provavelmente o mais sofisticado jogador de sua época (ainda mais do que Zico), teve sempre perto de si esse fantasma, que lhe roubava a especialização e a mágica. Por isso, torcer por ele, de alguma forma, era reparar uma injustiça, era torcer contra aquilo que não tem nome -doença, praga, morte.
Nuno Ramos é artista plástico e escritor, autor de "Cujo" e "O Pão do Corvo" (ambos pela editora 34).
Texto Anterior: Arthur Nestrovski
Próximo Texto: Hans Ulrich Gumbrecht
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Nuno Ramos
Arquivo "Última Hora"
ACHO QUE NUNCA TORCI TANTO POR UM JOGADOR COMO TORCI POR REINALDO; TUDO EM SEU FUTEBOL ERA LINHA E CLARIDADE
Foi a primeira vez que reparei nele. Hoje lembro pouco, mas acho que foi contra a Iugoslávia, talvez em 1977, num amistoso da seleção em que (isso eu tenho certeza) ele estreava. Um clássico: a matada no peito, o chapéu no zagueiro e o chute no ângulo, sem que a bola picasse. Nada indicava esforço, tensão muscular ou grandes gestos, apenas uma grandeza serena e quase anônima de um semi-adolescente que ninguém conhecia ainda. Foi a primeira vez que confirmei aquilo que um rumor, vindo lá do campeonato mineiro, anunciava há algum tempo: um fora-de-série aparecia. Foi, também, uma das únicas vezes em que o vi jogar sem que estivesse machucado, sem precisar consultar aquele estranho gabarito que sempre o acompanhou: imagine o que faria com quatro meniscos.
Acho que nunca torci tanto por um jogador como torci por Reinaldo. Tudo em seu futebol era linha e claridade. Os dribles eram desconcertantes, mas nunca naquele sentido esfuziante, Denílson do termo. Eram de algum modo compostos, quase sóbrios, estranhamente lentos e sempre em direção ao gol.
Batia com as duas, mas seus chutes pareciam mais colocados do que fortes, como se resultassem de um cálculo preciso. O importante é que nada fosse desperdiçado. Havia uma espécie de nitidez intelectual no que fazia, extremamente rara num centroavante (apropriada, talvez, a um camisa 10), e que outro mineiro, o centroavante-armador Tostão, provavelmente inaugurara nessa posição.
Mas, acima de tudo, quem torcia por Reinaldo torcia pela fluência, pela facilidade, pelo modo desobstruído de vencer os zagueiros. A essa força construtiva -como um eleito a quem não pesassem os buracos da grama, a velocidade da bola, o calor do sol, as botinadas dos zagueiros-, a essa coesão clássica que seu primeiro gol na seleção definiu e batizou, opunha-se uma outra força, vinda das profundezas mais remotas, que está para o futebol um pouco como a morte está para a vida: aquela que vem das contusões.
Não lembro de outro jogador que tenha sido acompanhado tão constante e profundamente, e desde o início da carreira, por esse demônio lento infiltrado no joelho, na panturrilha, nas cartilagens das juntas. É através das contusões que o corpo do jogador, desobrigado de suas habilidades, retorna à generalidade de ser um corpo, um corpo qualquer e então manca e sente pontadas e não pode nem sequer apoiar o pé no chão. Reinaldo, provavelmente o mais sofisticado jogador de sua época (ainda mais do que Zico), teve sempre perto de si esse fantasma, que lhe roubava a especialização e a mágica. Por isso, torcer por ele, de alguma forma, era reparar uma injustiça, era torcer contra aquilo que não tem nome -doença, praga, morte.
Nuno Ramos é artista plástico e escritor, autor de "Cujo" e "O Pão do Corvo" (ambos pela editora 34).
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quinta-feira, outubro 10, 2013
Novos Roteiros em Educação - J.Krishnamurti
“Pode a mente,
porventura, encontrar a paz? A mente não é, ela própria, uma fonte de
perturbação? A mente só é capaz de juntar, acumular, negar, afirmar, lembrar e
seguir. Será a paz (…) algo realizável por meio de lutas, (…) por parte da
mente?”
Sísifo |
“(…) Mas a mente não pode
achar a paz, porque a mente só é capaz de pensar dentro dos limites do tempo
(…) sempre condenando e julgando, alimentando suas próprias vaidades, hábitos e crenças. A mente nunca pode
estar em paz, ainda que possa refugiar-se às vezes numa paz ilusória. Mas isso
não é paz (…)”
“A paz nasce no coração e não na mente. (…) É
muito importante a maneira como falais; porque as palavras que empregais, os
gestos que fazeis, revelam o grau de excelência do vosso coração. Porque a
beleza é algo que se não pode definir (…) explicar por palavras. (…)”
J.Krishnamurti - Novos Roteiros em Educação, 1ª ed., pág. 170-172.
J.Krishnamurti - Novos Roteiros em Educação, 1ª ed., pág. 170-172.
segunda-feira, outubro 07, 2013
Bresser: a Direita é vazia e neolibelês (*) | Conversa Afiada
Bresser: a Direita é vazia e neolibelês (*) | Conversa Afiada
De Luiz Carlos Bresser-Pereira
(…)
Sem surpresa, os resultados econômicos dos dois primeiros anos de governo foram decepcionantes. E, no seu segundo ano, foram combinados com o julgamento do mensalão pelo STF, transformado em grande evento político e midiático.
Com isto o governo se enfraqueceu, e a direita brasileira recuperou a voz. Mas uma voz vazia, liberal e moralista. Liberal porque pretende que a solução dos problemas é liberalizar os mercados ainda mais, não obstante os maus resultados que geraram. Moralista porque adotou um discurso de condenação moral de todos os políticos, tratando-os de forma desrespeitosa, ao mesmo tempo que continuava a apoiar em voz baixa os partidos de direita.
Quando, devido às manifestações de junho, os índices de aprovação da presidente caíram, a direita comemorou. Não percebeu que caíam também os índices de aprovação de todos os governadores. Nem se deu conta de que a presidente logo recuperaria parte do apoio perdido.
Quando o STF afinal garantiu a doze dos condenados do mensalão um novo julgamento de alguns pontos, essa direita novamente se indignou. Agora era a justiça que também era corrupta.
Quando o deputado José Genoino (condenado nesse processo porque era presidente do PT quando as irregularidades aconteceram) manifestou o quanto vinha sofrendo com tudo isso –ele que, de fato, sempre dedicou a sua vida ao país, e hoje é um homem pobre–, essa direita limitou-se a gritar que o Brasil era o reino da impunidade, em vez de perceber que o castigo que Genoino já teve foi provavelmente maior do que sua culpa.
Os países democráticos precisam de uma direita conservadora e de uma esquerda progressista. Mas cada uma deve ter um discurso que faça sentido, em vez do mero moralismo que a direita vem exibindo.
O ataque moralista da direita
De Luiz Carlos Bresser-Pereira
(…)
Sem surpresa, os resultados econômicos dos dois primeiros anos de governo foram decepcionantes. E, no seu segundo ano, foram combinados com o julgamento do mensalão pelo STF, transformado em grande evento político e midiático.
Com isto o governo se enfraqueceu, e a direita brasileira recuperou a voz. Mas uma voz vazia, liberal e moralista. Liberal porque pretende que a solução dos problemas é liberalizar os mercados ainda mais, não obstante os maus resultados que geraram. Moralista porque adotou um discurso de condenação moral de todos os políticos, tratando-os de forma desrespeitosa, ao mesmo tempo que continuava a apoiar em voz baixa os partidos de direita.
Quando, devido às manifestações de junho, os índices de aprovação da presidente caíram, a direita comemorou. Não percebeu que caíam também os índices de aprovação de todos os governadores. Nem se deu conta de que a presidente logo recuperaria parte do apoio perdido.
Quando o STF afinal garantiu a doze dos condenados do mensalão um novo julgamento de alguns pontos, essa direita novamente se indignou. Agora era a justiça que também era corrupta.
Quando o deputado José Genoino (condenado nesse processo porque era presidente do PT quando as irregularidades aconteceram) manifestou o quanto vinha sofrendo com tudo isso –ele que, de fato, sempre dedicou a sua vida ao país, e hoje é um homem pobre–, essa direita limitou-se a gritar que o Brasil era o reino da impunidade, em vez de perceber que o castigo que Genoino já teve foi provavelmente maior do que sua culpa.
Os países democráticos precisam de uma direita conservadora e de uma esquerda progressista. Mas cada uma deve ter um discurso que faça sentido, em vez do mero moralismo que a direita vem exibindo.
quinta-feira, outubro 03, 2013
O Tao Te Ching
Tradução de Stephen Mitchell.
O Tao que pode ser ensinado
não é o Tao eterno.
O nome que pode ser falado
não é o nome eterno.
O inominável é o eternamente real.
Nomear é a origem
de todas as coisas separadas.
Livre do desejo
você percebe o mistério.
Preso no desejo
você vê apenas as manifestações.
No entanto, mistério e manifestação
surgem da mesma fonte.
Essa fonte é chamada escuridão.
Escuridão dentro da escuridão.
O portal para todo o entendimento.
CAPÍTULO 2
Quando as pessoas vêem algo como belo,
outras coisas se tornam feias.
Quando as pessoas vêem algo como bem,
outras coisas se tornam más.
Ser e não ser criam um ao outro.
Difícil e fácil apóiam um ao outro.
Longo e curto definem um ao outro.
Alto e baixo dependem um do outro.
Antes e depois seguem um ao outro.
Por isso o sábio age sem nada fazer
e ensina sem nada dizer
As coisas surgem e Ele permite que venham,
as coisas desparecem e Ele as deixa ir.
Ele tem mas não possui
e age sem expectativas,
Quando seu trabalho está feito,
Ele o esquece.
E por isso ele dura para sempre.
outras coisas se tornam feias.
Quando as pessoas vêem algo como bem,
outras coisas se tornam más.
Ser e não ser criam um ao outro.
Difícil e fácil apóiam um ao outro.
Longo e curto definem um ao outro.
Alto e baixo dependem um do outro.
Antes e depois seguem um ao outro.
Por isso o sábio age sem nada fazer
e ensina sem nada dizer
As coisas surgem e Ele permite que venham,
as coisas desparecem e Ele as deixa ir.
Ele tem mas não possui
e age sem expectativas,
Quando seu trabalho está feito,
Ele o esquece.
E por isso ele dura para sempre.
segunda-feira, setembro 16, 2013
Altamiro Borges: Não se iludam com Celso de Mello
Altamiro Borges: Não se iludam com Celso de Mello: Por Luis Nassif, no Jornal GGN Não se iludam com Celso de Mello. Suas atitudes mais prováveis serão: 1. Votar pela aceitação d...
quinta-feira, setembro 12, 2013
A Atualidade Brutal de Hannah Arendt
http://jornalggn.com.br/blog/luisnassif/a-atualidade-brutal-de-hannah-arendt
A Atualidade Brutal de Hannah Arendt
qua, 11/09/2013 - 06:48
ANTONIO ATEU
A atualidade brutal de Hannah Arendt
Obra de Margarethe von Trotta sugere que totalitarismo pode assumir faces “normais” e parece indispensável num cenário de democracia esvaziada e guerra iminente. Artigo de Ladislau Dowbor, publicado em Outras Palavras.ARTIGO | 6 SETEMBRO, 2013 - 10:30
O filme causa impacto. Trata-se, tema central do pensamento de Hannah Arendt, de refletir sobre a natureza do mal. O pano de fundo é o nazismo, e o julgamento de um dos grandes mal-feitores da época, Adolf Eichmann. Hannah acompanhou o julgamento para o jornal New Yorker, esperando ver o monstro, a besta assassina. O que viu, e só ela viu, foi a banalidade do mal. Viu um burocrata preocupado em cumprir as ordens, para quem as ordens substituíam a reflexão, qualquer pensamento que não fosse o de bem cumprir as ordens. Pensamento técnico, descasado da ética, banalidade que tanto facilita a vida, a facilidade de cumprir ordens. A análise do julgamento, publicada pelo New Yorker, causou escândalo, em particular entre a comunidade judaica, como se ela estivesse absolvendo o réu, desculpando a monstruosidade.
A banalidade do mal, no entanto, é central. O meu pai foi torturado durante a II Guerra Mundial, no sul da França. Não era judeu. Aliás, de tanto falar em judeus no Holocausto, tragédia cuja dimensão trágica ninguém vai negar, esquece-se que esta guerra vitimou 60 milhões de pessoas, entre os quais 6 milhões de judeus. A perseguição atingiu as esquerdas em geral, sindicalistas ou ativistas de qualquer nacionalidade, além de ciganos, homossexuais e tudo o que cheirasse a algo diferente. O facto é que a questão da tortura, da violência extrema contra outro ser humano, me marcou desde a infância, sem saber que eu mesmo a viria a sofrer. Eram monstros os que torturaram o meu pai? Poderia até haver um torturador particularmente pervertido, tirando prazer do sofrimento, mas no geral, eram homens como os outros, colocados em condições de violência generalizada, de banalização do sofrimento, dentro de um processo que abriu espaço para o pior que há em muitos de nós.
Por que é tão importante isto, e por que a mensagem do filme é autêntica e importante? Porque a monstruosidade não está na pessoa, está no sistema. Há sistemas que banalizam o mal. O que implica que as soluções realmente significativas, as que nos protegem do totalitarismo, do direito de um grupo no poder dispor da vida e do sofrimento dos outros, estão na construção de processos legais, de instituições e de uma cultura democrática que nos permita viver em paz. O perigo e o mal maior não estão na existência de doentes mentais que gozam com o sofrimento de outros – por exemplo uns skinheads que queimam um pobre que dorme na rua, gratuitamente, pela diversão – mas na violência sistemática que é exercida por pessoas banais.
Entre os que me interrogaram no DOPS de São Paulo encontrei um delegado que tinha estudado no Colégio Loyola de Belo Horizonte, onde eu tinha estudado nos anos 1950. Colégio de orientação jesuíta, onde se ensinava a amar-nos uns aos outros. Encontrei um homem normal, que me explicava que arrancando mais informações seria promovido, me explicou os graus de promoções possíveis na época. Aparentemente queria progredir na vida. Outro que conheci, violento ex-capanga do Nordeste, claramente considerava a tortura como uma coisa banal, coisa com a qual seguramente conviveu nas fazendas desde a sua infância. Monstros? Praticaram coisas monstruosas, mas o monstruoso mesmo era a naturalidade com a qual a violência se pratica.
Um torturador na OBAN passou-me uma grande pasta A-Z onde estavam cópias dos depoimentos dos meus companheiros que tinham sido torturados antes. O pedido foi simples: por não querer dar-se a demasiado trabalho, pediu que eu visse os depoimentos dos outros, e fizesse o meu confirmando a verdades, coisas sem importância ou mentiras que estavam lá escritas. Explicou que, escrevendo um depoimento que repetia o que já sabiam, eu deixaria satisfeitos os coronéis que ficavam a ler depoimentos no andar de cima (os coronéis evitavam sujar as mãos), pois veriam que tudo se confirmava, ainda que fossem histórias absurdas. Segundo ele, se houvesse discrepâncias, teriam de chamar os presos que já estavam no Tiradentes, voltar a interrogá-los, até que tudo batesse. Queria economizar trabalho. Não era alemão. Burocracia do sistema. Nos campos de concentração, era a IBM que fazia a gestão da triagem e classificação dos presos, na época com máquinas de cartões perfurados. No documentário A Corporação, a IBM esclarece que apenas prestava assistência técnica.
O mal não está nos torturadores, e sim nos homens de mãos limpas que geram um sistema que permite que homens banais façam coisas como a tortura, numa pirâmide que vai desde o homem que suja as mãos com sangue até um Rumsfeld que dirige uma nota aos exército americano no Iraque, exigindo que os interrogatórios sejam harsher, ou seja, mais violentos. Hannah Arendt não estava a desculpar torturadores, estava a apontar a dimensão real do problema, muito mais grave.
A compreensão da dimensão sistémica das deformações não tem nada a ver com passar a mão na cabeça dos criminosos que aceitaram fazer ou ordenar monstruosidades. Hannah Arendt aprovou plenamente e declaradamente o posterior enforcamento de Eichmann. Eu estou convencido de que os que ordenaram, organizaram, administraram e praticaram a tortura devem ser julgados e condenados.
O segundo argumento poderoso que surge no filme, vem das reações histéricas de judeus pelo facto de ela não considerar Eichmann um monstro. Aqui, a coisa é tão grave quanto a primeira. Ela estava a privar as massas do imenso prazer compensador do ódio acumulado, da imensa catarse de ver o culpado enforcado. As pessoas tinham, e têm hoje, direito a este ódio. Não se trata aqui de deslegitimar a reação ao sofrimento imposto. Mas o facto é que ao tirar do algoz a característica de monstro, Hannah estava a tirar o gosto do ódio, perturbando a dimensão de equilíbrio e de contrapeso que o ódio representa para quem sofreu. O sentimento é compreensível, mas perigoso. Inclusive, amplamente utilizado na política, com os piores resultados. O ódio, conforme os objetivos, pode representar um campo fértil para quem quer manipulá-lo.
Quando exilado na Argélia, durante a ditadura militar, conheci Ali Zamoum, um dos importantes combatentes pela independência do país. Torturado, condenado à morte pelos franceses, foi salvo pela independência. Amigos da segurança do novo regime localizaram um torturador seu, numa fazenda do interior. Levaram Ali até a fazenda, onde encontrou um idiota banal, apavorado num canto. Que iria ele fazer? Torturar um torturador? Largou-o ali para ser trancado e julgado. Deceção geral. Perguntei um dia ao Ali como enfrentavam os distúrbios mentais das vítimas de tortura. Na opinião dele, os que se equilibravam melhor, eram os que, depois da independência, continuaram a luta, já não contra os franceses mas pela reconstrução do país, pois a continuidade da luta não apagava, mas dava sentido e razão ao que tinham sofrido.
No 1984 do Orwell, os funcionários eram regularmente reunidos para uma sessão de ódio coletivo. Aparecia na tela a figura do homem a odiar, e todos se sentiam fisicamente transportados e transtornados pela figura do Goldstein. Catarse geral. E odiar coletivamente pega. Seremos cegos se não virmos o uso hoje dos mesmos procedimentos, em espetáculos mediáticos.
O texto de Hannah, apontando um mal pior, que são os sistemas que geram atividades monstruosas a partir de homens banais, simplesmente não foi entendido. Que homens cultos e inteligentes não consigam entender o argumento é em si muito significativo, e socialmente poderoso. Como diz Jonathan Haidt, para justificar atitudes irracionais, inventam-se argumentos racionais, ou racionalizadoresi. No caso, Hannah seria contra os judeus, teria traído o seu povo, tinha namorado um professor que se tornou nazi. Os argumentos não faltaram, conquanto o ódio fosse preservado, e com o ódio o sentimento agradável da sua legitimidade.
Este ponto precisa de ser reforçado. Em vez de detestar e combater o sistema, o que exige uma compreensão racional, é emocionalmente muito mais satisfatório equilibrar a fragilização emocional que resulta do sofrimento, concentrando toda a carga emocional no ódio personalizado. E nas reações histéricas e na deformação flagrante, por parte de gente inteligente, do que Hannah escreveu, encontramos a busca do equilíbrio emocional. Não mexam no nosso ódio. Os grandes grupos económicos que abriram caminho para Hitler, como a Krupp, ou empresas que fizeram a automação da gestão dos campos de concentração, como a IBM, agradecem.
O filme é um espelho que nos obriga a ver o presente pelo prisma do passado. Os americanos sentem-se plenamente justificados em manter um amplo sistema de tortura – sempre fora do território americano pois geraria certos incómodos jurídicos -, Israel criou através do Mossad o centro mais sofisticado de tortura da atualidade, estão sendo pesquisados instrumentos eletrónicos de tortura que superam em dor infligida tudo o que se inventou até agora, o NSA criou um sistema de penetração em todos os computadores, mensagens pessoais e conteúdo de comunicações telefónicas do planeta. Jovens americanos no Iraque filmaram a tortura que praticavam nos seus celulares em Abu Ghraib, são jovens, moças e rapazes, saudáveis, bem formados nas escolas, que até acham divertido o que fazem. Nas entrevistas posteriores, a bem da verdade, numerosos foram os jovens que denunciaram a barbárie, ou até que se recusaram a praticá-la. Mas foram minoriaii.
O terceiro argumento do filme, e central na visão de Hannah, é a desumanização do objeto de violência. Torturar um semelhante choca os valores herdados, ou aprendidos. Portanto, é essencial que não se trate mais de um semelhante, pessoa que pensa, chora, ama, sofre. É um judeu, um comunista, ou ainda, no jargão moderno da polícia, um “elemento”. Na visão da KuKluxKlan, um negro. No plano internacional de hoje, o terrorista. Nos programas de televisão, um marginal. Até nos divertimos, vendo as perseguições. São seres humanos? O essencial, é que deixe de ser um ser humano, um indivíduo, uma pessoa, e se torne uma categoria. Sufocaram 111 presos nas celas? Ora, era preciso restabelecer a ordem.
Um belíssimo documentário, aliás, Repare Bem, que ganhou o prémio internacional no festival de Gramado, e relata o que viveu Denise Crispim na ditadura, traz com toda força o paralelo entre o passado relatado no Hannah Arendt e o nosso cenário brasileiro. Outras escalas, outras realidades, mas a mesma persistente tragédia da violência e da covardia legalizadas e banalizadas.
Sebastian Haffner, estudante de direito na Alemanha em 1930, escreveu na época um livro – Defying Hitler: a memoir – manuscrito abandonado, resgatado recentemente por seu filho que o publicou com este títuloiii. O livro mostra como um estudante de família simples vai aderindo ao partido nazi, simplesmente por influência dos amigos, dos media, do contexto, repetindo com as massas as mensagens. Na resenha do livro que fiz em 2002, escrevi que o que deve assustar no totalitarismo, no fanatismo ideológico, não é o torturador doentio, é como pessoas normais são puxadas para dentro de uma dinâmica social patológica, vendo-a como um caminho normal. Na Alemanha da época, 50% dos médicos aderiram ao partido nazi.
O próximo fanatismo político não usará bigode nem bota, nem gritará Heil como os idiotas dos “skinheads”. Usará terno, gravata e multimédia. E seguramente procurará impor o totalitarismo, mas em nome da democracia, ou até dos direitos humanos.
i Jonathan Haidt, The Righteous Mind (A Mente Moralista),http://dowbor.org/2013/06/jonathan-haidt-the-righteous-mind-why-good-people-are-divided-by-politics-and-religion-a-mente-moralista-por-que-boas-pessoas-sao-divididas-pela-politica-e-pela-religiao.html/
ii Melhor do que qualquer comentário, é ver o filme O Fantasma de Abu Ghraib, disponível no Youtube em http://www.youtube.com/watch?v=_TpWQj0MjvI&feature=youtube_gdata_player ; ver também a pesquisa da BBChttp://guardian.co.uk/world/2013/mar/06/pentagon-iraq-torure-centres-link ; sobre Guantanamo, ver o artigo do New York Times de 15/04/2013
iii Sebastian Haffner – Defying Hitler – http://dowbor.org/2003/08/defying-hitler-a-memoir.html/
segunda-feira, setembro 02, 2013
Um olhar da pastora...
Um olhar da pastora...
À Catarose de Petri
Pastora, mestre,
lembranças de um olhar junto de alegrias e passarinhadas.
Era Renova,
refeitório e susto...
Do passado, como de um túnel do tempo,
veio até mim em um foco profundo,
um olhar em brasa, um mirar,
prescrutador,
sem ajuizamento,
descortinando e revelando em minha alma
lembranças esquecidas,
que sei, desconheço...
E o Amor entrou manso em minha alma,
furtiva, esquecida, fugaz...
deixando um bálsamo,
apascentando para sempre minhas dores seculares.
A gratidão veio tardia,
veio pelo túnel cavado em minha memória,
veio e permaneceu não sei até quando,
mas é tesouro que só eu sei...
e a emoção deu lugar ao menino passarinho
da minha infância,
numa certeza de que não preciso ter pressa,
mas que preciso aprender o ofício de pastoreio,
e devolver o lenitivo que me curou.
Obrigado mestre e pastora!
Carlos Wagner 01 de setembro
quarta-feira, agosto 21, 2013
Texto de Clara Arreguy
Hannah Arendt (1906-1975) foi uma filósofa judia alemã que conseguiu escapar do nazismo e se refugiar nos Estados Unidos, onde viveu como professora e autora de diversos livros e teses. Sua importância para o pensamento político contemporâneo é imensa, pois veio dela a principal reflexão sobre o totalitarismo, tanto na face direita (nazista), quanto na esquerda (stalinista). Foi ela quem criou o termo "banalização do mal", a partir da cobertura que fez para uma revista norte-americana, editada também em livro, do julgamento do nazista Adolf Eichmann em Israel.
Uma fração dessa história está muito bem contada no filme "Hannah Arendt" (foto), da alemã Margarethe von Trotta, que tem Barbara Sukowa no papel da ativista judia em um momento chave de sua vida, justamente o episódio da cobertura do julgamento, em 1963. Ali, ao assistir ao que ela considera equívocos – julgar o Holocausto como um todo durante o julgamento de uma pessoa, um homem, que deveria estar num tribunal internacional, e não sequestrado arbitrariamente por um país –, ela tece uma análise que vai jogar toda a opinião pública contra ela.
O filme é importante e inteligente, mas nessa sequência, em especial, ele revela sua importância para o momento político que estamos vivendo, em que a "opinião pública" se torna um ator impessoal, injusto e cruel. Nos textos que publica sobre Eichmann, Hannah afirma que ele, sob a justificativa adotada pelos criminosos nazistas de que apenas cumpriam ordens, banaliza o mal e renuncia à própria condição de ser humano, pois a natureza do ser humano é pensar, decidir, responsabilizar-se por seus atos. Quando ele age sem consciência, sem assumir o que faz, ele deixa de ser um homem. Ele desqualifica o mal que faz.
Em diversos momentos do filme, a personagem, em flashback, se reencontra com o antigo mestre acadêmico, o filósofo Martin Heidegger, de quem foi mais que a aluna mais brilhante: eram amantes e ela teve nele o grande amor. Hannah se lembra de Heidegger ensinando a importância do pensamento, ensinando a pensar. Recorda também da dor maior sofrida quando, não bastasse a perseguição nazista, a perda do país e da nacionalidade, viu Heidegger sucumbir ao poder do Reich para se manter reitor da famosa Universidade de Heidelberg, bajulando Hitler e se corrompendo intelectualmente.
Reencontros posteriores à guerra não apagaram o desapontamento da ex-aluna com o velho mestre. O grande amor não resistiria à covardia moral, quando tantos (milhões!) morriam, fugiam ou resistiam, na Alemanha e por toda a Europa. Hannah nunca perde o espírito de luta, a coerência, mesmo ao correr riscos. Ela se mantém firme em seus pontos de vista mesmo quando a imprensa, a comunidade acadêmica e a comunidade judaica se juntam contra ela, acusando-a de absolver Eichmann e de responsabilizar lideranças judaicas por omissão durante o extermínio de seu povo (a crítica à postura das lideranças durante a guerra ela de fato assume).
O bombardeio sofrido por Hannah naquele momento a fez perder importantes amigos, companheiros de vida e de luta que não a compreenderam. Isso lhe provoca dor, mas ela não recua. Muitos paravam no pré-julgamento, no preconceito, condenando-a sem sequer ler seus argumentos, com base apenas em "resenhas" de má-fé. Outros, mesmo lendo, discordavam de sua franqueza temerária, consideravam-na traidora. Na universidade onde lecionava, confrontou a direção, que a queria expulsar, e teve apenas o apoio dos alunos.
Numa das cenas mais brilhantes do filme, na aula que ela dá para se defender dos ataques, personagem e atriz dão um show, na explicação clarividente de sua construção política e filosófica. Indagada por uma aluna sobre o porquê de tachar de crimes contra a humanidade os crimes dos nazistas contra os judeus, ela responde candidamente: "Porque os judeus são seres humanos, então um crime contra eles é um crime contra a humanidade. E o que os nazistas queriam era retirar do povo judeu sua condição de humanidade".
Com ensinamentos sobre a importância de pensar, refletir, elaborar, analisar, criticar, sobre defender os pontos de vista nos quais se acredita, sobre defender a pluralidade e a liberdade de pensamento e expressão, sobre a coerência e a coragem diante de qualquer adversidade, sobre pagar o preço por essa coerência e por essa coragem, "Hannah Arendt" mantém viva a figura que o inspirou, uma das mulheres mais brilhantes que iluminou o século XX. Um filme importante, atual, necessário, que nos faz mais inteligentes e joga luz sobre o mundo em que vivemos.
Publicado no caderno Pensar do Estado de Minas em 10/8/13
segunda-feira, agosto 19, 2013
domingo, agosto 11, 2013
Música Los Hermanos (Diálogo Ele ela)
Do Lado de Dentro
Ele:
Abre essa porta
Que direito você tem de me privar?
Desse castelo que eu construí
Pra te guardar de todo mal
Desse universo que eu desenhei
Pra nós, pra nós
Abre essa porta
Não se faz de morta
Diz o que é que foi
Já que eu larguei tudo pra ti
Já que eu cerquei tudo ao redor
Abre essa porta, vai, por favor,
Que eu sou teu homem, viu?
Que eu sou teu homem, vil.
Ela:
Cala essa boca,
que isso é coisa pouca
Perto do que passei
Eu que lavei os teus lençóis
Sujos de tantas outras paixões
E ignorei as outras muitas, muitas
Vai, depois liga
Diz pra sua irmã passar
Que eu vou mandar
Tudo que é seu, que tem aqui
Tudo que eu não quero guardar
Que é pra esquecer de uma só vez
Que este castelo só me prendeu, viu?
Mas o universo hoje se expandiu
E aqui de dentro a porta se abriu.
Que direito você tem de me privar?
Desse castelo que eu construí
Pra te guardar de todo mal
Desse universo que eu desenhei
Pra nós, pra nós
Não se faz de morta
Diz o que é que foi
Já que eu larguei tudo pra ti
Já que eu cerquei tudo ao redor
Abre essa porta, vai, por favor,
Que eu sou teu homem, viu?
Que eu sou teu homem, vil.
Perto do que passei
Eu que lavei os teus lençóis
Sujos de tantas outras paixões
E ignorei as outras muitas, muitas
Diz pra sua irmã passar
Que eu vou mandar
Tudo que é seu, que tem aqui
Tudo que eu não quero guardar
Que é pra esquecer de uma só vez
Que este castelo só me prendeu, viu?
Mas o universo hoje se expandiu
E aqui de dentro a porta se abriu.
sábado, agosto 03, 2013
E agora, hein?
Mensalão: Ministros estariam arrependidos de votos
Enviado por luisnassif, sab, 03/08/2013 - 10:28
Sugestão de Assis Ribeiro
Após quatro meses de espetáculo pela TV, a notícia é que alguns ministros do STF estão com medo de rever seus votos no julgamento do mensalão
Às vésperas da retomada do julgamento da Ação Penal 470, quando o STF irá examinar os recursos dos 25 condenados, o ambiente no tribunal é descrito da seguinte forma por Felipe Recondo e Debora Bergamasco, repórteres do Estado de S. Paulo, com transito entre os ministros:
“(...) há ministros que se mostram ‘arrependidos de seus votos’ por admitirem que algumas falhas apontadas pelos advogados de defesa fazem sentido. O problema (...) é que esses mesmos ministros não veem nenhuma brecha para um recuo neste momento. O dilema entre os que acham que foram duros demais nas sentenças é encontrar um meio termo entre rever parte do voto sem correr o risco de sofrer desgaste com a opinião pública.”
Pois é, meus amigos.
Após quatro meses de espetáculo pela TV, a notícia é que alguns ministros do STF estão com medo. Não sabem como “encontrar um meio termo entre rever parte de seu voto sem correr o risco de sofrer desgaste com a opinião pública.”
É preocupante e escandaloso.
Não faltam motivos muito razoáveis para um exame atento de recursos. Sabe-se hoje que provas que poderiam ajudar os réus não foram exibidas ao plenário em tempo certo. Alguns acusados foram condenados pela nova lei de combate à corrupção, que sequer estava em vigor quando os fatos ocorreram – o que é um despropósito jurídico. Em nome de uma jurisprudência lançada à última hora num tribunal brasileiro, considerou-se que era razoável “flexibilizar as provas” para confirmar condenações, atropelando o direito à ampla defesa, indispensável em Direito. Centenas de supressões realizadas pelos ministros no momento em que colocavam seus votos no papel, longe das câmaras de TV, mostram que há diferença entre o que se disse e o que se escreveu.
O próprio Joaquim Barbosa suprimiu silenciosamente uma denúncia de propina que formulou de viva voz, informação errada que ajudou a reforçar a condenação de um dos réus, sendo acolhida e reapresentada por outros ministros.
Eu pergunto se é justo, razoável – e mesmo decente – sufocar esse debate. Claro que não é.
É perigoso e antidemocrático, embora seja possível encher a boca e dizer que tudo o que os réus pretendem é ganhar tempo, fazer chicana. Numa palavra, garantir a própria impunidade.
Na verdade estamos assistindo ao processo em que o feitiço se volta contra o feiticeiro. E aí é preciso perguntar pelo papel daquelas instituições responsáveis pela comunicação entre os poderes públicos e a sociedade – os jornais, revistas, a TV.
O tratamento parcial dos meios de comunicação, que jamais se deram ao trabalho de fazer um exame isento de provas e argumentos da acusação e da defesa, ajudou a criar um clima de agressividade e intolerância contra toda dissidência e toda pergunta inconveniente.
Os réus foram criminalizados previamente, como parte de uma campanha geral para criminalizar o regime democrático depois que nos últimos anos ele passou a ser utilizado pelos mais pobres, pelos eternamente excluídos, pelos que pareciam danados pela Terra, para conseguir alguns benefícios – modestos, mas reais -- que sempre foram negados e eram vistos como utopia e sonho infantil.
(A prova de que se queria criminalizar o sistema, e não corrigir seus defeitos, foi confirmada pelo esforço recente para sufocar toda iniciativa de reforma política, vamos combinar.)
No mundo inteiro, os tribunais de exceção consistem, justamente, num espetáculo onde a mobilização é usada para condicionar a decisão dos ministros.
“Morte aos cães!”, berravam os promotores dos processos de Moscou, empregados por Stalin para eliminar adversários e dissidentes.
Em 1792, no Terror da Revolução Francesa, os acusados eram condenados sumariamente e guilhotinados em seguida, abrindo uma etapa histórica conhecida como Termidor, que levou à redução de direitos democráticos e restauração da monarquia.
No Brasil de 2013, a pergunta é se os ministros vão se render ao medo.
sexta-feira, agosto 02, 2013
Resenha de Clara Arreguy sobre o filme "Augustine"...
Histeria e desejo
O filme é "Augustine", de Alice Winocour. O tema, mulheres histéricas, tratadas por um médico que se assombra com sintomas e empreende verdadeira campanha junto a possíveis patrocinadores e apoiadores. Ele revela que durante séculos essas mulheres foram queimadas em fogueiras, tidas como bruxas, possuídas pelo demônio e outros estigmas.
No hospital onde ele toma como paciente uma jovem histérica, as luzes da ciência são poucas contra as sombras do passado, as poucas informações e a compreensão ainda tão difícil. Mas médico e paciente confrontam, inexoravelmente, o inferno da repressão, do pecado, da culpa, do desejo contido que aprisiona, domina, adoece. A cura só pode vir no enfrentamento do desejo. O belo filme fala disso e de muito mais.
Precede em muito Freud e a psicanálise, tempos de obscurantismo em que mulheres não existiam como seres de direito e voz. Tratamentos eram a própria violência, a segregação, mais tirania. "Augustine" merece ser visto, Augustine merece ser pensada, entendida, amada.
Beijos!
Clara Arreguy, terça-feira, julho 30, 2013.
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