segunda-feira, setembro 16, 2013
Altamiro Borges: Não se iludam com Celso de Mello
Altamiro Borges: Não se iludam com Celso de Mello: Por Luis Nassif, no Jornal GGN Não se iludam com Celso de Mello. Suas atitudes mais prováveis serão: 1. Votar pela aceitação d...
quinta-feira, setembro 12, 2013
A Atualidade Brutal de Hannah Arendt
http://jornalggn.com.br/blog/luisnassif/a-atualidade-brutal-de-hannah-arendt
A Atualidade Brutal de Hannah Arendt
qua, 11/09/2013 - 06:48
ANTONIO ATEU
A atualidade brutal de Hannah Arendt
Obra de Margarethe von Trotta sugere que totalitarismo pode assumir faces “normais” e parece indispensável num cenário de democracia esvaziada e guerra iminente. Artigo de Ladislau Dowbor, publicado em Outras Palavras.ARTIGO | 6 SETEMBRO, 2013 - 10:30
O filme causa impacto. Trata-se, tema central do pensamento de Hannah Arendt, de refletir sobre a natureza do mal. O pano de fundo é o nazismo, e o julgamento de um dos grandes mal-feitores da época, Adolf Eichmann. Hannah acompanhou o julgamento para o jornal New Yorker, esperando ver o monstro, a besta assassina. O que viu, e só ela viu, foi a banalidade do mal. Viu um burocrata preocupado em cumprir as ordens, para quem as ordens substituíam a reflexão, qualquer pensamento que não fosse o de bem cumprir as ordens. Pensamento técnico, descasado da ética, banalidade que tanto facilita a vida, a facilidade de cumprir ordens. A análise do julgamento, publicada pelo New Yorker, causou escândalo, em particular entre a comunidade judaica, como se ela estivesse absolvendo o réu, desculpando a monstruosidade.
A banalidade do mal, no entanto, é central. O meu pai foi torturado durante a II Guerra Mundial, no sul da França. Não era judeu. Aliás, de tanto falar em judeus no Holocausto, tragédia cuja dimensão trágica ninguém vai negar, esquece-se que esta guerra vitimou 60 milhões de pessoas, entre os quais 6 milhões de judeus. A perseguição atingiu as esquerdas em geral, sindicalistas ou ativistas de qualquer nacionalidade, além de ciganos, homossexuais e tudo o que cheirasse a algo diferente. O facto é que a questão da tortura, da violência extrema contra outro ser humano, me marcou desde a infância, sem saber que eu mesmo a viria a sofrer. Eram monstros os que torturaram o meu pai? Poderia até haver um torturador particularmente pervertido, tirando prazer do sofrimento, mas no geral, eram homens como os outros, colocados em condições de violência generalizada, de banalização do sofrimento, dentro de um processo que abriu espaço para o pior que há em muitos de nós.
Por que é tão importante isto, e por que a mensagem do filme é autêntica e importante? Porque a monstruosidade não está na pessoa, está no sistema. Há sistemas que banalizam o mal. O que implica que as soluções realmente significativas, as que nos protegem do totalitarismo, do direito de um grupo no poder dispor da vida e do sofrimento dos outros, estão na construção de processos legais, de instituições e de uma cultura democrática que nos permita viver em paz. O perigo e o mal maior não estão na existência de doentes mentais que gozam com o sofrimento de outros – por exemplo uns skinheads que queimam um pobre que dorme na rua, gratuitamente, pela diversão – mas na violência sistemática que é exercida por pessoas banais.
Entre os que me interrogaram no DOPS de São Paulo encontrei um delegado que tinha estudado no Colégio Loyola de Belo Horizonte, onde eu tinha estudado nos anos 1950. Colégio de orientação jesuíta, onde se ensinava a amar-nos uns aos outros. Encontrei um homem normal, que me explicava que arrancando mais informações seria promovido, me explicou os graus de promoções possíveis na época. Aparentemente queria progredir na vida. Outro que conheci, violento ex-capanga do Nordeste, claramente considerava a tortura como uma coisa banal, coisa com a qual seguramente conviveu nas fazendas desde a sua infância. Monstros? Praticaram coisas monstruosas, mas o monstruoso mesmo era a naturalidade com a qual a violência se pratica.
Um torturador na OBAN passou-me uma grande pasta A-Z onde estavam cópias dos depoimentos dos meus companheiros que tinham sido torturados antes. O pedido foi simples: por não querer dar-se a demasiado trabalho, pediu que eu visse os depoimentos dos outros, e fizesse o meu confirmando a verdades, coisas sem importância ou mentiras que estavam lá escritas. Explicou que, escrevendo um depoimento que repetia o que já sabiam, eu deixaria satisfeitos os coronéis que ficavam a ler depoimentos no andar de cima (os coronéis evitavam sujar as mãos), pois veriam que tudo se confirmava, ainda que fossem histórias absurdas. Segundo ele, se houvesse discrepâncias, teriam de chamar os presos que já estavam no Tiradentes, voltar a interrogá-los, até que tudo batesse. Queria economizar trabalho. Não era alemão. Burocracia do sistema. Nos campos de concentração, era a IBM que fazia a gestão da triagem e classificação dos presos, na época com máquinas de cartões perfurados. No documentário A Corporação, a IBM esclarece que apenas prestava assistência técnica.
O mal não está nos torturadores, e sim nos homens de mãos limpas que geram um sistema que permite que homens banais façam coisas como a tortura, numa pirâmide que vai desde o homem que suja as mãos com sangue até um Rumsfeld que dirige uma nota aos exército americano no Iraque, exigindo que os interrogatórios sejam harsher, ou seja, mais violentos. Hannah Arendt não estava a desculpar torturadores, estava a apontar a dimensão real do problema, muito mais grave.
A compreensão da dimensão sistémica das deformações não tem nada a ver com passar a mão na cabeça dos criminosos que aceitaram fazer ou ordenar monstruosidades. Hannah Arendt aprovou plenamente e declaradamente o posterior enforcamento de Eichmann. Eu estou convencido de que os que ordenaram, organizaram, administraram e praticaram a tortura devem ser julgados e condenados.
O segundo argumento poderoso que surge no filme, vem das reações histéricas de judeus pelo facto de ela não considerar Eichmann um monstro. Aqui, a coisa é tão grave quanto a primeira. Ela estava a privar as massas do imenso prazer compensador do ódio acumulado, da imensa catarse de ver o culpado enforcado. As pessoas tinham, e têm hoje, direito a este ódio. Não se trata aqui de deslegitimar a reação ao sofrimento imposto. Mas o facto é que ao tirar do algoz a característica de monstro, Hannah estava a tirar o gosto do ódio, perturbando a dimensão de equilíbrio e de contrapeso que o ódio representa para quem sofreu. O sentimento é compreensível, mas perigoso. Inclusive, amplamente utilizado na política, com os piores resultados. O ódio, conforme os objetivos, pode representar um campo fértil para quem quer manipulá-lo.
Quando exilado na Argélia, durante a ditadura militar, conheci Ali Zamoum, um dos importantes combatentes pela independência do país. Torturado, condenado à morte pelos franceses, foi salvo pela independência. Amigos da segurança do novo regime localizaram um torturador seu, numa fazenda do interior. Levaram Ali até a fazenda, onde encontrou um idiota banal, apavorado num canto. Que iria ele fazer? Torturar um torturador? Largou-o ali para ser trancado e julgado. Deceção geral. Perguntei um dia ao Ali como enfrentavam os distúrbios mentais das vítimas de tortura. Na opinião dele, os que se equilibravam melhor, eram os que, depois da independência, continuaram a luta, já não contra os franceses mas pela reconstrução do país, pois a continuidade da luta não apagava, mas dava sentido e razão ao que tinham sofrido.
No 1984 do Orwell, os funcionários eram regularmente reunidos para uma sessão de ódio coletivo. Aparecia na tela a figura do homem a odiar, e todos se sentiam fisicamente transportados e transtornados pela figura do Goldstein. Catarse geral. E odiar coletivamente pega. Seremos cegos se não virmos o uso hoje dos mesmos procedimentos, em espetáculos mediáticos.
O texto de Hannah, apontando um mal pior, que são os sistemas que geram atividades monstruosas a partir de homens banais, simplesmente não foi entendido. Que homens cultos e inteligentes não consigam entender o argumento é em si muito significativo, e socialmente poderoso. Como diz Jonathan Haidt, para justificar atitudes irracionais, inventam-se argumentos racionais, ou racionalizadoresi. No caso, Hannah seria contra os judeus, teria traído o seu povo, tinha namorado um professor que se tornou nazi. Os argumentos não faltaram, conquanto o ódio fosse preservado, e com o ódio o sentimento agradável da sua legitimidade.
Este ponto precisa de ser reforçado. Em vez de detestar e combater o sistema, o que exige uma compreensão racional, é emocionalmente muito mais satisfatório equilibrar a fragilização emocional que resulta do sofrimento, concentrando toda a carga emocional no ódio personalizado. E nas reações histéricas e na deformação flagrante, por parte de gente inteligente, do que Hannah escreveu, encontramos a busca do equilíbrio emocional. Não mexam no nosso ódio. Os grandes grupos económicos que abriram caminho para Hitler, como a Krupp, ou empresas que fizeram a automação da gestão dos campos de concentração, como a IBM, agradecem.
O filme é um espelho que nos obriga a ver o presente pelo prisma do passado. Os americanos sentem-se plenamente justificados em manter um amplo sistema de tortura – sempre fora do território americano pois geraria certos incómodos jurídicos -, Israel criou através do Mossad o centro mais sofisticado de tortura da atualidade, estão sendo pesquisados instrumentos eletrónicos de tortura que superam em dor infligida tudo o que se inventou até agora, o NSA criou um sistema de penetração em todos os computadores, mensagens pessoais e conteúdo de comunicações telefónicas do planeta. Jovens americanos no Iraque filmaram a tortura que praticavam nos seus celulares em Abu Ghraib, são jovens, moças e rapazes, saudáveis, bem formados nas escolas, que até acham divertido o que fazem. Nas entrevistas posteriores, a bem da verdade, numerosos foram os jovens que denunciaram a barbárie, ou até que se recusaram a praticá-la. Mas foram minoriaii.
O terceiro argumento do filme, e central na visão de Hannah, é a desumanização do objeto de violência. Torturar um semelhante choca os valores herdados, ou aprendidos. Portanto, é essencial que não se trate mais de um semelhante, pessoa que pensa, chora, ama, sofre. É um judeu, um comunista, ou ainda, no jargão moderno da polícia, um “elemento”. Na visão da KuKluxKlan, um negro. No plano internacional de hoje, o terrorista. Nos programas de televisão, um marginal. Até nos divertimos, vendo as perseguições. São seres humanos? O essencial, é que deixe de ser um ser humano, um indivíduo, uma pessoa, e se torne uma categoria. Sufocaram 111 presos nas celas? Ora, era preciso restabelecer a ordem.
Um belíssimo documentário, aliás, Repare Bem, que ganhou o prémio internacional no festival de Gramado, e relata o que viveu Denise Crispim na ditadura, traz com toda força o paralelo entre o passado relatado no Hannah Arendt e o nosso cenário brasileiro. Outras escalas, outras realidades, mas a mesma persistente tragédia da violência e da covardia legalizadas e banalizadas.
Sebastian Haffner, estudante de direito na Alemanha em 1930, escreveu na época um livro – Defying Hitler: a memoir – manuscrito abandonado, resgatado recentemente por seu filho que o publicou com este títuloiii. O livro mostra como um estudante de família simples vai aderindo ao partido nazi, simplesmente por influência dos amigos, dos media, do contexto, repetindo com as massas as mensagens. Na resenha do livro que fiz em 2002, escrevi que o que deve assustar no totalitarismo, no fanatismo ideológico, não é o torturador doentio, é como pessoas normais são puxadas para dentro de uma dinâmica social patológica, vendo-a como um caminho normal. Na Alemanha da época, 50% dos médicos aderiram ao partido nazi.
O próximo fanatismo político não usará bigode nem bota, nem gritará Heil como os idiotas dos “skinheads”. Usará terno, gravata e multimédia. E seguramente procurará impor o totalitarismo, mas em nome da democracia, ou até dos direitos humanos.
i Jonathan Haidt, The Righteous Mind (A Mente Moralista),http://dowbor.org/2013/06/jonathan-haidt-the-righteous-mind-why-good-people-are-divided-by-politics-and-religion-a-mente-moralista-por-que-boas-pessoas-sao-divididas-pela-politica-e-pela-religiao.html/
ii Melhor do que qualquer comentário, é ver o filme O Fantasma de Abu Ghraib, disponível no Youtube em http://www.youtube.com/watch?v=_TpWQj0MjvI&feature=youtube_gdata_player ; ver também a pesquisa da BBChttp://guardian.co.uk/world/2013/mar/06/pentagon-iraq-torure-centres-link ; sobre Guantanamo, ver o artigo do New York Times de 15/04/2013
iii Sebastian Haffner – Defying Hitler – http://dowbor.org/2003/08/defying-hitler-a-memoir.html/
segunda-feira, setembro 02, 2013
Um olhar da pastora...
Um olhar da pastora...
À Catarose de Petri
Pastora, mestre,
lembranças de um olhar junto de alegrias e passarinhadas.
Era Renova,
refeitório e susto...
Do passado, como de um túnel do tempo,
veio até mim em um foco profundo,
um olhar em brasa, um mirar,
prescrutador,
sem ajuizamento,
descortinando e revelando em minha alma
lembranças esquecidas,
que sei, desconheço...
E o Amor entrou manso em minha alma,
furtiva, esquecida, fugaz...
deixando um bálsamo,
apascentando para sempre minhas dores seculares.
A gratidão veio tardia,
veio pelo túnel cavado em minha memória,
veio e permaneceu não sei até quando,
mas é tesouro que só eu sei...
e a emoção deu lugar ao menino passarinho
da minha infância,
numa certeza de que não preciso ter pressa,
mas que preciso aprender o ofício de pastoreio,
e devolver o lenitivo que me curou.
Obrigado mestre e pastora!
Carlos Wagner 01 de setembro
quarta-feira, agosto 21, 2013
Texto de Clara Arreguy
Hannah Arendt (1906-1975) foi uma filósofa judia alemã que conseguiu escapar do nazismo e se refugiar nos Estados Unidos, onde viveu como professora e autora de diversos livros e teses. Sua importância para o pensamento político contemporâneo é imensa, pois veio dela a principal reflexão sobre o totalitarismo, tanto na face direita (nazista), quanto na esquerda (stalinista). Foi ela quem criou o termo "banalização do mal", a partir da cobertura que fez para uma revista norte-americana, editada também em livro, do julgamento do nazista Adolf Eichmann em Israel.
Uma fração dessa história está muito bem contada no filme "Hannah Arendt" (foto), da alemã Margarethe von Trotta, que tem Barbara Sukowa no papel da ativista judia em um momento chave de sua vida, justamente o episódio da cobertura do julgamento, em 1963. Ali, ao assistir ao que ela considera equívocos – julgar o Holocausto como um todo durante o julgamento de uma pessoa, um homem, que deveria estar num tribunal internacional, e não sequestrado arbitrariamente por um país –, ela tece uma análise que vai jogar toda a opinião pública contra ela.
O filme é importante e inteligente, mas nessa sequência, em especial, ele revela sua importância para o momento político que estamos vivendo, em que a "opinião pública" se torna um ator impessoal, injusto e cruel. Nos textos que publica sobre Eichmann, Hannah afirma que ele, sob a justificativa adotada pelos criminosos nazistas de que apenas cumpriam ordens, banaliza o mal e renuncia à própria condição de ser humano, pois a natureza do ser humano é pensar, decidir, responsabilizar-se por seus atos. Quando ele age sem consciência, sem assumir o que faz, ele deixa de ser um homem. Ele desqualifica o mal que faz.
Em diversos momentos do filme, a personagem, em flashback, se reencontra com o antigo mestre acadêmico, o filósofo Martin Heidegger, de quem foi mais que a aluna mais brilhante: eram amantes e ela teve nele o grande amor. Hannah se lembra de Heidegger ensinando a importância do pensamento, ensinando a pensar. Recorda também da dor maior sofrida quando, não bastasse a perseguição nazista, a perda do país e da nacionalidade, viu Heidegger sucumbir ao poder do Reich para se manter reitor da famosa Universidade de Heidelberg, bajulando Hitler e se corrompendo intelectualmente.
Reencontros posteriores à guerra não apagaram o desapontamento da ex-aluna com o velho mestre. O grande amor não resistiria à covardia moral, quando tantos (milhões!) morriam, fugiam ou resistiam, na Alemanha e por toda a Europa. Hannah nunca perde o espírito de luta, a coerência, mesmo ao correr riscos. Ela se mantém firme em seus pontos de vista mesmo quando a imprensa, a comunidade acadêmica e a comunidade judaica se juntam contra ela, acusando-a de absolver Eichmann e de responsabilizar lideranças judaicas por omissão durante o extermínio de seu povo (a crítica à postura das lideranças durante a guerra ela de fato assume).
O bombardeio sofrido por Hannah naquele momento a fez perder importantes amigos, companheiros de vida e de luta que não a compreenderam. Isso lhe provoca dor, mas ela não recua. Muitos paravam no pré-julgamento, no preconceito, condenando-a sem sequer ler seus argumentos, com base apenas em "resenhas" de má-fé. Outros, mesmo lendo, discordavam de sua franqueza temerária, consideravam-na traidora. Na universidade onde lecionava, confrontou a direção, que a queria expulsar, e teve apenas o apoio dos alunos.
Numa das cenas mais brilhantes do filme, na aula que ela dá para se defender dos ataques, personagem e atriz dão um show, na explicação clarividente de sua construção política e filosófica. Indagada por uma aluna sobre o porquê de tachar de crimes contra a humanidade os crimes dos nazistas contra os judeus, ela responde candidamente: "Porque os judeus são seres humanos, então um crime contra eles é um crime contra a humanidade. E o que os nazistas queriam era retirar do povo judeu sua condição de humanidade".
Com ensinamentos sobre a importância de pensar, refletir, elaborar, analisar, criticar, sobre defender os pontos de vista nos quais se acredita, sobre defender a pluralidade e a liberdade de pensamento e expressão, sobre a coerência e a coragem diante de qualquer adversidade, sobre pagar o preço por essa coerência e por essa coragem, "Hannah Arendt" mantém viva a figura que o inspirou, uma das mulheres mais brilhantes que iluminou o século XX. Um filme importante, atual, necessário, que nos faz mais inteligentes e joga luz sobre o mundo em que vivemos.
Publicado no caderno Pensar do Estado de Minas em 10/8/13
segunda-feira, agosto 19, 2013
domingo, agosto 11, 2013
Música Los Hermanos (Diálogo Ele ela)
Do Lado de Dentro
Ele:
Abre essa porta
Que direito você tem de me privar?
Desse castelo que eu construí
Pra te guardar de todo mal
Desse universo que eu desenhei
Pra nós, pra nós
Abre essa porta
Não se faz de morta
Diz o que é que foi
Já que eu larguei tudo pra ti
Já que eu cerquei tudo ao redor
Abre essa porta, vai, por favor,
Que eu sou teu homem, viu?
Que eu sou teu homem, vil.
Ela:
Cala essa boca,
que isso é coisa pouca
Perto do que passei
Eu que lavei os teus lençóis
Sujos de tantas outras paixões
E ignorei as outras muitas, muitas
Vai, depois liga
Diz pra sua irmã passar
Que eu vou mandar
Tudo que é seu, que tem aqui
Tudo que eu não quero guardar
Que é pra esquecer de uma só vez
Que este castelo só me prendeu, viu?
Mas o universo hoje se expandiu
E aqui de dentro a porta se abriu.
Que direito você tem de me privar?
Desse castelo que eu construí
Pra te guardar de todo mal
Desse universo que eu desenhei
Pra nós, pra nós
Não se faz de morta
Diz o que é que foi
Já que eu larguei tudo pra ti
Já que eu cerquei tudo ao redor
Abre essa porta, vai, por favor,
Que eu sou teu homem, viu?
Que eu sou teu homem, vil.
Perto do que passei
Eu que lavei os teus lençóis
Sujos de tantas outras paixões
E ignorei as outras muitas, muitas
Diz pra sua irmã passar
Que eu vou mandar
Tudo que é seu, que tem aqui
Tudo que eu não quero guardar
Que é pra esquecer de uma só vez
Que este castelo só me prendeu, viu?
Mas o universo hoje se expandiu
E aqui de dentro a porta se abriu.
sábado, agosto 03, 2013
E agora, hein?
Mensalão: Ministros estariam arrependidos de votos
Enviado por luisnassif, sab, 03/08/2013 - 10:28
Sugestão de Assis Ribeiro
Após quatro meses de espetáculo pela TV, a notícia é que alguns ministros do STF estão com medo de rever seus votos no julgamento do mensalão
Às vésperas da retomada do julgamento da Ação Penal 470, quando o STF irá examinar os recursos dos 25 condenados, o ambiente no tribunal é descrito da seguinte forma por Felipe Recondo e Debora Bergamasco, repórteres do Estado de S. Paulo, com transito entre os ministros:
“(...) há ministros que se mostram ‘arrependidos de seus votos’ por admitirem que algumas falhas apontadas pelos advogados de defesa fazem sentido. O problema (...) é que esses mesmos ministros não veem nenhuma brecha para um recuo neste momento. O dilema entre os que acham que foram duros demais nas sentenças é encontrar um meio termo entre rever parte do voto sem correr o risco de sofrer desgaste com a opinião pública.”
Pois é, meus amigos.
Após quatro meses de espetáculo pela TV, a notícia é que alguns ministros do STF estão com medo. Não sabem como “encontrar um meio termo entre rever parte de seu voto sem correr o risco de sofrer desgaste com a opinião pública.”
É preocupante e escandaloso.
Não faltam motivos muito razoáveis para um exame atento de recursos. Sabe-se hoje que provas que poderiam ajudar os réus não foram exibidas ao plenário em tempo certo. Alguns acusados foram condenados pela nova lei de combate à corrupção, que sequer estava em vigor quando os fatos ocorreram – o que é um despropósito jurídico. Em nome de uma jurisprudência lançada à última hora num tribunal brasileiro, considerou-se que era razoável “flexibilizar as provas” para confirmar condenações, atropelando o direito à ampla defesa, indispensável em Direito. Centenas de supressões realizadas pelos ministros no momento em que colocavam seus votos no papel, longe das câmaras de TV, mostram que há diferença entre o que se disse e o que se escreveu.
O próprio Joaquim Barbosa suprimiu silenciosamente uma denúncia de propina que formulou de viva voz, informação errada que ajudou a reforçar a condenação de um dos réus, sendo acolhida e reapresentada por outros ministros.
Eu pergunto se é justo, razoável – e mesmo decente – sufocar esse debate. Claro que não é.
É perigoso e antidemocrático, embora seja possível encher a boca e dizer que tudo o que os réus pretendem é ganhar tempo, fazer chicana. Numa palavra, garantir a própria impunidade.
Na verdade estamos assistindo ao processo em que o feitiço se volta contra o feiticeiro. E aí é preciso perguntar pelo papel daquelas instituições responsáveis pela comunicação entre os poderes públicos e a sociedade – os jornais, revistas, a TV.
O tratamento parcial dos meios de comunicação, que jamais se deram ao trabalho de fazer um exame isento de provas e argumentos da acusação e da defesa, ajudou a criar um clima de agressividade e intolerância contra toda dissidência e toda pergunta inconveniente.
Os réus foram criminalizados previamente, como parte de uma campanha geral para criminalizar o regime democrático depois que nos últimos anos ele passou a ser utilizado pelos mais pobres, pelos eternamente excluídos, pelos que pareciam danados pela Terra, para conseguir alguns benefícios – modestos, mas reais -- que sempre foram negados e eram vistos como utopia e sonho infantil.
(A prova de que se queria criminalizar o sistema, e não corrigir seus defeitos, foi confirmada pelo esforço recente para sufocar toda iniciativa de reforma política, vamos combinar.)
No mundo inteiro, os tribunais de exceção consistem, justamente, num espetáculo onde a mobilização é usada para condicionar a decisão dos ministros.
“Morte aos cães!”, berravam os promotores dos processos de Moscou, empregados por Stalin para eliminar adversários e dissidentes.
Em 1792, no Terror da Revolução Francesa, os acusados eram condenados sumariamente e guilhotinados em seguida, abrindo uma etapa histórica conhecida como Termidor, que levou à redução de direitos democráticos e restauração da monarquia.
No Brasil de 2013, a pergunta é se os ministros vão se render ao medo.
sexta-feira, agosto 02, 2013
Resenha de Clara Arreguy sobre o filme "Augustine"...
Histeria e desejo
O filme é "Augustine", de Alice Winocour. O tema, mulheres histéricas, tratadas por um médico que se assombra com sintomas e empreende verdadeira campanha junto a possíveis patrocinadores e apoiadores. Ele revela que durante séculos essas mulheres foram queimadas em fogueiras, tidas como bruxas, possuídas pelo demônio e outros estigmas.
No hospital onde ele toma como paciente uma jovem histérica, as luzes da ciência são poucas contra as sombras do passado, as poucas informações e a compreensão ainda tão difícil. Mas médico e paciente confrontam, inexoravelmente, o inferno da repressão, do pecado, da culpa, do desejo contido que aprisiona, domina, adoece. A cura só pode vir no enfrentamento do desejo. O belo filme fala disso e de muito mais.
Precede em muito Freud e a psicanálise, tempos de obscurantismo em que mulheres não existiam como seres de direito e voz. Tratamentos eram a própria violência, a segregação, mais tirania. "Augustine" merece ser visto, Augustine merece ser pensada, entendida, amada.
Beijos!
Clara Arreguy, terça-feira, julho 30, 2013.
quarta-feira, julho 31, 2013
IDH: Lula 10 vs 0 FHC | Conversa Afiada
IDH: Lula 10 vs 0 FHC | Conversa Afiada
http://www.conversaafiada.com.br/economia/2013/07/31/idh-lula-10-vs-0-fhc/
http://www.conversaafiada.com.br/economia/2013/07/31/idh-lula-10-vs-0-fhc/
sexta-feira, julho 19, 2013

COMPARTILHEM E DIVULGUEM! SAUDE E TUDO! E OS LABORATORIOS MUNDIAIS E A MIDIA NAO DIVULGA! EU MESMO JA VENHO FAZENDO O USO E ATESTO QUE FUNCIONA E O MEU MEDICO FICOU DE BOCA ABERTA COM OS EXAMES APOS O USO CONTINUO DESTA FRUTA!
10.000 VEZES MAIS FORTE QUE A QUIMIOTERAPIA.
LIMÃO CONGELADO Muitos profissionais em restaurantes, além de nutricionistas estão usando ou consumindo o limão inteiro , em que nada é desperdiçado. Como você pode usar o limão inteiro sem desperdício?
Simples... Lave bem e coloque o limão na seção do freezer de sua geladeira. Uma vez que o limão esteja congelado, use seu ralador e o limão inteiro (sem necessidade de descascá-lo) e polvilhe-o em cima de seus alimentos.
Polvilhe-o em suas bebidas , vinho , saladas, sorvete, sopa , macarrão, molho de macarrão, arroz, sushi. .. Todos os alimentos inesperadamente terão um gosto maravilhoso, algo que você talvez nunca tenha provado antes.
Provavelmente, você achava que só o suco de limão teria vitamina C. Bem, saiba que as cascas do limão contêm vitaminas 5 a 10 vezes mais do que o suco de limão propriamente dito. E, sim, isso é o que você vem desperdiçando . Mas de agora em diante, por seguir esse procedimento simples de congelar o limão inteiro e salpicá-lo em cima de seus pratos, você pode consumir todos os nutrientes e obter ainda mais saúde.
As cascas do limão são rejuvenescedoras da saúde na erradicação de elementos tóxicos do corpo. ótimo!!! Os benefícios surpreendentes do limão! Limão (Citrus) é um produto milagroso para matar células cancerosas.
É 10.000 vezes mais forte do que a quimioterapia. Por que não sabemos nada sobre isso? Porque existem laboratórios interessados em fazer uma versão sintética que lhes trará enormes lucros. Seu sabor é agradável e não produz os efeitos horríveis da quimioterapia. Quantas pessoas morrem enquanto esse segredo é mantido, para não pôr em perigo as grandes corporações multimilionárias? Como sabem, a árvore do limão é conhecida por suas variedades de limões e limas. Você pode comer as frutas de diferentes maneiras: a polpa, suco, preparando bebidas, sorvetes, bolos, etc... A ele é creditado muitas virtudes, mas o mais interessante é o efeito que produz sobre cistos e tumores. Essa planta é uma solução comprovada contra cancros de todos os tipos. Alguns dizem que é muito útil para todas as variantes do cancro . Ele é considerado também como um espectro antimicrobiano contra infecções por bactérias e fungos, eficaz contra parasitas internas e vermes, que regula a pressão de sangue, quando muito alto, e um antidepressivo , combatendo o estresse e distúrbios nervosos. A fonte desta informação é fascinante: ela vem de uma das maiores fabricantes de drogas no mundo, diz que, após mais de 20 testes desde 1970, os extratos revelaram que: destrói as células malignas em 12 tipos de cancro, incluindo cólon, mama, próstata, pulmão e pâncreas... Os compostos dessa árvore mostraram-se 10.000 vezes melhores do que o produto Adriamycin, uma droga normalmente utilizada como quimioterápico no mundo, retardando o crescimento das células cancerosas. E o que é ainda mais surpreendente: este tipo de terapia com extrato de limão apenas destrói células de câncer maligno e não afeta as células saudáveis. Antes tarde do que nunca! Repassem aos seus amigos e conhecidos...
Simples... Lave bem e coloque o limão na seção do freezer de sua geladeira. Uma vez que o limão esteja congelado, use seu ralador e o limão inteiro (sem necessidade de descascá-lo) e polvilhe-o em cima de seus alimentos.
Polvilhe-o em suas bebidas , vinho , saladas, sorvete, sopa , macarrão, molho de macarrão, arroz, sushi. .. Todos os alimentos inesperadamente terão um gosto maravilhoso, algo que você talvez nunca tenha provado antes.
Provavelmente, você achava que só o suco de limão teria vitamina C. Bem, saiba que as cascas do limão contêm vitaminas 5 a 10 vezes mais do que o suco de limão propriamente dito. E, sim, isso é o que você vem desperdiçando . Mas de agora em diante, por seguir esse procedimento simples de congelar o limão inteiro e salpicá-lo em cima de seus pratos, você pode consumir todos os nutrientes e obter ainda mais saúde.
As cascas do limão são rejuvenescedoras da saúde na erradicação de elementos tóxicos do corpo. ótimo!!! Os benefícios surpreendentes do limão! Limão (Citrus) é um produto milagroso para matar células cancerosas.
É 10.000 vezes mais forte do que a quimioterapia. Por que não sabemos nada sobre isso? Porque existem laboratórios interessados em fazer uma versão sintética que lhes trará enormes lucros. Seu sabor é agradável e não produz os efeitos horríveis da quimioterapia. Quantas pessoas morrem enquanto esse segredo é mantido, para não pôr em perigo as grandes corporações multimilionárias? Como sabem, a árvore do limão é conhecida por suas variedades de limões e limas. Você pode comer as frutas de diferentes maneiras: a polpa, suco, preparando bebidas, sorvetes, bolos, etc... A ele é creditado muitas virtudes, mas o mais interessante é o efeito que produz sobre cistos e tumores. Essa planta é uma solução comprovada contra cancros de todos os tipos. Alguns dizem que é muito útil para todas as variantes do cancro . Ele é considerado também como um espectro antimicrobiano contra infecções por bactérias e fungos, eficaz contra parasitas internas e vermes, que regula a pressão de sangue, quando muito alto, e um antidepressivo , combatendo o estresse e distúrbios nervosos. A fonte desta informação é fascinante: ela vem de uma das maiores fabricantes de drogas no mundo, diz que, após mais de 20 testes desde 1970, os extratos revelaram que: destrói as células malignas em 12 tipos de cancro, incluindo cólon, mama, próstata, pulmão e pâncreas... Os compostos dessa árvore mostraram-se 10.000 vezes melhores do que o produto Adriamycin, uma droga normalmente utilizada como quimioterápico no mundo, retardando o crescimento das células cancerosas. E o que é ainda mais surpreendente: este tipo de terapia com extrato de limão apenas destrói células de câncer maligno e não afeta as células saudáveis. Antes tarde do que nunca! Repassem aos seus amigos e conhecidos...
sexta-feira, julho 12, 2013
Gira gira essa vida...Feche os olhos da mente para não ver...
De onde vim, quem sou, pra onde vou?
Um dia rico, um dia pobre, um dia no poder
Um dia chanceler, um dia sem comer
Coincidiu de hoje ser meu dia de mendigo
Meu amigo, se eu quisesse, eu entraria sem você me ver
Sem você me ver, sem você me ver"
Um dia chanceler, um dia sem comer
Coincidiu de hoje ser meu dia de mendigo
Meu amigo, se eu quisesse, eu entraria sem você me ver
Sem você me ver, sem você me ver"
Gilberto Gil
Extra II, O Rock do Segurança
O segurança me pediu o crachá
Eu disse: nada de crachá, meu chapa
Sou um escrachado, um extra achado
Num galpão abandonado, nada de crachá
Ié, uô, uô, ié
Sei que o senhor é pago pra suspeitar
Mas eu estou acima de qualquer suspeita
Em meu planeta todo o povo me respeita
Sou tratado assim como um paxá
Ié, uô, uô, ié
Essa aparência de um mero vagabundo
É mera coincidência
Deve-se ao fato de eu ter vindo
Ao seu mundo com a incumbência
De andar a terra, saber por que o amor
Saber por que a guerra
Olhar a cara da pessoa comum e da pessoa rara
Um dia rico, um dia pobre, um dia no poder
Um dia chanceler, um dia sem comer
Coincidiu de hoje ser meu dia de mendigo
Meu amigo, se eu quisesse, eu entraria sem você me ver
Sem você me ver, sem você me ver
Extra II, O Rock do Segurança
O segurança me pediu o crachá
Eu disse: nada de crachá, meu chapa
Sou um escrachado, um extra achado
Num galpão abandonado, nada de crachá
Ié, uô, uô, ié
Sei que o senhor é pago pra suspeitar
Mas eu estou acima de qualquer suspeita
Em meu planeta todo o povo me respeita
Sou tratado assim como um paxá
Ié, uô, uô, ié
Essa aparência de um mero vagabundo
É mera coincidência
Deve-se ao fato de eu ter vindo
Ao seu mundo com a incumbência
De andar a terra, saber por que o amor
Saber por que a guerra
Olhar a cara da pessoa comum e da pessoa rara
Um dia rico, um dia pobre, um dia no poder
Um dia chanceler, um dia sem comer
Coincidiu de hoje ser meu dia de mendigo
Meu amigo, se eu quisesse, eu entraria sem você me ver
Sem você me ver, sem você me ver
Digite a incerteza, analise a dúvida…
Errar táticas, certezas, ausências, errezas, rezas e terezas…
Tácitas manobras certas, certos meios, certos domínios do incosciente,
certamente não se chega a um acordo, adormecidas as tendências por impaciências.
Certifico-me de tomar ciência de tudo que possa ser acerto de contas em meu interior
interiorano matuto de mim mesmo, refugiado em meus conceitos mal-concebidos.
Me viro, prefiro sair ao acaso que certamente me conduz bem, bem mais para que as dúvidas desmascarem as certezas.
Vamos nós, laçados, entrelaçados na vida.
vemos a nós, entre nós, nostálgicos processos na memória do esquecimento.
julho 4, 2010 - Publicado por cwcampos2 | Uncategorized
sexta-feira, julho 05, 2013
A sociedade espetacular planetária de maio de 68
A sociedade espetacular planetária de maio de 68
Por Luis Eustáquio Soares em 02/07/2013 na edição 753
1
Os filósofos Gilles Deleuze e Félix Guattari propuseram duas formas de política para atuar, pensar, criar, ler, viver: uma política existencial molar e uma política existencial molecular. A primeira, a molar, é constituída por planos fixos, segmentados, já instituídos, como certa ideia de esquerda em contraposição a outras não menos previsíveis visões do que seja direita; bem versus mal, povo homogêneo, amigo versus inimigo, centro e periferia; pobre e rico; homem e mulher, heterossexual, homossexual; ser branco, ser negro, ser índio, ser criança, ser latino, ser americano, ser jovem, fases etárias, saberes instituídos, a própria língua, entendida como um conjunto de convenções que nos faz falar cadeira, por exemplo, e imediatamente pensar ou ver uma cadeira, objeto de quatro pernas contendo um suporte onde sentamos para realizar múltiplas atividades cotidianas; enfim, molar é tudo que está estratificado, organizado, dado, realizado, sendo perceptível, dedutível, acreditável. Por sua vez, a segunda perspectiva existencial, a molecular, é precisamente o contrário da molar: é tudo que não está dado, que não está pronto, que não está instituído, nunca é um à priori, de modo que também não é fixo, é movente, metamórfico, uma coisa e outra e outra, sem que possamos regular de antemão; sem que possamos dizer, “é isto”, “é aquilo”, porque é sempre um aglomerado de partículas, de misturas, de heterogêneos, de imperceptíveis, de séries divergentes. O molecular é, pois: o não visto, o não sentido, não pensado, não escutado, não realizado, não esquadrinhado, multiplicidades imprevisíveis.
2
O jogo entre a política existencial molar e a molecular determina nossas vidas, sobretudo se o assumimos integralmente, o que só é possível sabendo de antemão que o molar, os valores fixados numa época dada, não é absoluto precisamente porque a sua grande tara, sua, digamos, verdadeira fixação é a conquista ininterrupta do plano molecular, seja administrando-o, seja potencializando suas energias irreprimíveis para conquistas definitivamente molares, como a de cargos eletivos, de lucros astronômicos. Desde que o mundo é mundo, principalmente tendo em vista as civilizações de tradição do oprimido, o desafio dos poderes molares instituídos sempre foi o de submeter o plano molecular, colocá-lo a serviço do molar. A nossa época, principalmente na sua versão falsamente molecular, a ocidental, pode ser simplesmente definida como um período histórico que imita o plano molecular, a fim de a vivermos ou de vivermos nela como se estivéssemos em pleno ciclo da vida livre, irreprimível, marcada por multiplicidades étnicas, de gênero, culturais, etárias, estéticas. Essa é, pois, uma questão crucial, de vida ou de morte, na atualidade: o imperialismo ocidental se especializou, com o uso das novas tecnologias de comunicação, em apanhar o plano molecular, fazendo-o agir a seu serviço, mesmo que acredite que esteja produzindo a sua liberdade molecular, múltipla, irreprimível. A crença atual na espontaneidade juvenil, sobretudo das classes médias, marcada pela alegria, descontração, pela suposta liberdade sexual, pelo respeito às diferenças, enfim, a crença que nossa época tem no plano molecular certamente tem relação com o pior aspecto possível do plano molar: a sua gestão mundial sofisticada pelo imperialismo ocidental.
3
Nas civilizações marcadas por religiões semíticas de salvação, como a nossa, a cristã, a mulçumana, a judaica, Deus geralmente é concebido como um centro molar transcendental, um a priori da justiça, da bondade, da beleza, da harmonia, da proteção, por outro lado, o diabo é visto e descrito como molecular, daí a célebre passagem bíblica, em Marcos 5:9: “Então Jesus lhe perguntou: ‘Qual é o seu nome? Meu nome é Legião’, respondeu ele, porque somos muitos’.” O diabo, pois, é molecular porque é legião, sempre é um e outro de outro, híbrido, sem que possa ser definido de antemão, não sendo circunstancial que é também vara de porcos, um indefinido coletivo considerado sujo, bestial, incontrolável.
4
É possível conceber o povo, portando, sob duas formas: um povo molar e um povo molecular, num contexto em que o primeiro é apanhado pela transcendência molar, por Deus, pelo Estado, pelo mercado, pelas instituições, pelos saberes, sendo harmonizado, esquadrinhado, enfeixado, organizado, amansado, pacificado; e, por sua vez, o segundo, o povo molecular, é geralmente percebido como um povo sem direção, descentralizado, desorganizado, invadindo ruas, instituições, sem que possamos apreendê-lo, domesticá-lo, tal como a vara de porcos – um coletivo inapreensível, sujo, impuro, híbrido, imperceptível, imprevisível. Por outro lado, como o contemporâneo é o período de imitação do plano molecular, uma dissimulada época que a si mesma vive como se realizasse por todos os lados os fluxos livres das multiplicidades imperceptíveis, com sorrisos, é possível deduzir que na verdade o nosso atual período histórico se caracteriza como a de um povo molecular apanhado e esquadrinhado pelo plano molar, de tal maneira que acredite que, ao se expressar supostamente de forma criativa, destemida, revolucionária, esteja livre dos planos molares tradicionais, como o plano molar do patriarcado, logo da opressão de gênero, e/ou o plano molar racista, logo da opressão étnica; ou ainda o plano molar da concentração de riqueza, sob a forma de opressão de uma classe sobre as outras.
5
A grande sacada do imperialismo ocidental, como forma planetária de gestão de ilusões no interior do capitalismo contemporâneo, é a produção (via tecnologias de comunicação, via sociedade do espetáculo) de um teatral povo molecular que é paradoxalmente tanto mais molar quanto mais acredita ser molecular. Um, portanto, molecular povo molar que, ao ter a ilusão de que se expressa como molecular, como povo livre de poderes instituídos, realiza sem que o saiba (e muitas vezes sabendo) o jogo dos poderes molares de sempre, como o molar e milenar poder patriarcal, como o molar e não menos milenar poder étnico, branco, se consideramos a história da modernidade ocidental; como enfim e em começo o poder molar do sequestro das riquezas comuns. Nossa época acha que deve se livrar dos planos molares históricos, como, por exemplo, o molar plano maniqueísta que divide o mundo em bem e mal, e, achando, ilude-se que basta dizer que não é molar que a gente deixa de ser, espontaneamente, como um ato de vontade individual e de pequenos grupos ou segmentos de classe. Esse é, pois, o pior obstáculo do contemporâneo: a crença de que estamos realizando as liberdades irreprimíveis do plano molecular, abandonando e desqualificando, como inferiores, todos os planos molares, sem saber que estes continuam nos esquadrinhando, vigiando, orquestrando, tomando, usando-nos a seu bel-prazer, principalmente o plano molar-mor da atualidade: o imperialismo ocidental, especialista em sequestrar povos moleculares e fazê-los agir em seu nome acreditando produzir a sua própria liberdade.
6
Ser molar, hoje, portanto, é acreditar que somos moleculares, abandonando totalmente “velhos” planos molares produzidos pelos povos moleculares do mundo, como o da luta de classes, o da necessidade de produzirmos uma sociedade pós-capitalista, dos comuns, comunista. Nossa época iludidamente molecular orgulhosamente defende a dúvida, a confusão, a incerteza, como parâmetros de uma supostamente livre sociedade molecular, num contexto em que necessitamos como nunca dos molares planos das seguintes certezas realmente liberadoras: a certeza de que é impossível uma sociedade realmente molecular ou a produção de uma civilização de povos moleculares sem a superação do capitalismo, imutavelmente molar; ou a molar certeza de que a opressão de classe, de alcance planetário (sob a forma molecular de intensa divisão social do trabalho e dos saberes), é ainda o grande desafio a ser superado, se quisermos realmente produzir, em processo, um povo molecular. O abandono principalmente dessas duas certezas molares precedentes, a necessidade de produção de uma sociedade pós-capitalista a partir do fim da opressão de classe, é o que tem nos tornado extremamente vulneráveis hoje, alegres presas fáceis do, insisto, mais funesto plano molecular jamais existido, acúmulo sofisticado e tecnológico de todos os outros: o imperialismo ocidental.
7
Por outro lado, não existe maior perigo para as esquerdas que o de se tornarem molares, acreditando-se moleculares. Acreditando, pois, que o povo molecular está nas ruas realizando involuções “revolucionárias” líbias, egípcias, sírias, espanholas, brasileiras e tantas outras do passado mais ou menos recente, chamadas de “revoluções das tulipas”, das laranjas, das cores, tendo como parâmetro antes de tudo o horizonte da liberdade civil, como se este fosse o lugar por excelência de realização de um povo molecular. As esquerdas estão no geral sem norte e muitas vezes defendem a falta de norte como uma salutar forma de produção de perspectivas moleculares. Elas não podem, sob hipótese alguma, abandonar alguns importantes e indispensáveis planos molares duramente conquistados, de forma molecular, sempre, a saber (e repito): o plano molar de que é preciso cobrar sim dos movimentos sociais, confundindo-se com eles, sendo eles, perspectivas pós-capitalistas claras, objetivas, sabendo de antemão que o imperialismo é o nosso molar inimigo comum, razão pela qual as nossas bandeiras, ao irmos para as ruas, deve ter esse norte, um norte principalmente fundamental para os moleculares povos do sul: o norte sul ou o sul norte de que é preciso ir para as ruas sim contra o capitalismo, logo contra as oligarquias, logo contra as corporações, logo contra o imperialismo ocidental, plenamente consciente de que este é o gestor mundial do engano geral em que nos metemos ao nos acreditarmos moleculares sem realizarmos um efetivo exercício de desqualificação e de destronamento do mais nefasto plano molar em que estamos mergulhados muito além do pescoço: a civilização ocidental e seus molares esteios fundamentados no fetiche da mercadoria, na submissão planetária à forma-dinheiro e também na submissão ao fetiche desta outra mesma mercadoria: a de que as sociedades civis são o verdadeiro lugar do plano molecular de nossa época.
8
Um verdadeiro povo molecular, portanto, não pode, sob hipótese alguma, abandonar os planos molares conquistados historicamente por suas revolucionárias lutas moleculares do passado só porque acredita que hoje ele é espontaneamente molecular. Maio de 68 foi apanhado, como movimento molecular, pelo plano molar das estratégias atuais do imperialismo ocidental, que nos vende (se trata mesmo de vender) a ilusão, por exemplo, de que a juventude (principalmente as de perfis de classe média, marcadas pelo estilo americano de vida) é o espontâneo, alegre e sexual corpo/rosto da produção de um mundo molecular, de modo que, para que este último aconteça, é necessariamente fundamental que abandonemos a figura do adulto e do mestre, vista e concebida por todos os lados como autoritária, despótica, molar. Maio de 68, na França, inventou a juventude, tal como a conhecemos no contemporâneo. A hipótese principal é: maio de 68, como movimento revolucionário que procurou destronar a figura do mestre e do adulto foi capturado pelo imperialismo ocidental, razão pela qual produzimos sim uma juventude presunçosa, que tende a desqualificar os planos molares conquistados pelos (também jovens) moleculares povos do passado porque, de forma molar, acredita que esses planos (exemplos de sempre: a produção de uma sociedade pós-capitalista, o fim da opressão de classe) são anacronismos defendidos por carrancudos adultos que insistem em se posicionar como não menos anacrônicos e superados mestres.
9
As esquerdas tendem a fazer uma conciliação entre Deus e o Diabo quando o assunto é o povo revolucionário, molecular, pois geralmente o concebem ao mesmo tempo como vara de porcos, revoltando-se, mas também como povo homogêneo, marcado pela unidade transcendental, como se o povo se revoltasse por motivos semelhantes: a fúria contra um ditador, contra um governo, contra uma igual situação de injustiça patrocinada por tal e qual estado, sempre tendo em vista a premissa molar de que o povo é o povo da revolução, da luta por justiças, genuinamente anticapitalistas ou que o povo o é de determinado país, o povo brasileiro, o argentino, o venezuelano, o americano, sem considerar, por exemplo, a molar molecular divisão do povo, sua dissonância, seus dissensos irreconciliáveis, como a divisão de classes, de língua, étnicas, culturais; e também seu perfil híbrido, nacional e estrangeiro, rural e urbano, anacrônico e futurista, metamórfico como o diabo, sem que possamos enfeixá-lo por qualquer forma de a priori.
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Muito do que tem sido analisado sobre as manifestações que tomam as ruas do Brasil, previsivelmente parte de pontos vista típicos de uma política existencial molar. As análises feitas pelo mundo daqueles que se consideram de esquerda exigem perspectivas moleculares, se quiserem realmente não apenas entender de antemão a salutar ocupação das ruas, com vistas a produzir um país mais justo, mas também se quiserem influir de modo mais consequente nos rumos dos acontecimentos. E isso por uma questão muito simples: o imperialismo, como gestor mundial do capital, embora molar, planeja e age de forma molecular, sabendo claramente que o grande jogo, o da dominação total da espécie humana, só é vencido realmente se o plano molecular, o da vida em sua intensidade de criação, de tesão, de critica, de libertação, de desejos, justiças, for cuidadosamente apanhado pelo plano molar dos interesses, por exemplo, das multinacionais – verdadeiro poder do contemporâneo, mais que o poder do Estado.
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No entanto, como o que era molecular tende a se tornar molar, é preciso ter clareza, fora de qualquer dúvida molecular (ou molar) de como devemos agir. Na primeira versão do filme Matrix (1999), num momento culminante da narrativa, o personagem Morpheus diz claramente para Neo: “Não temos mais tempo para dúvidas!” Se quisermos realmente ser jovens (neo, como sabemos, significa novo), esta é também, ainda que molar, a verdadeira premissa de nossa época: “Não temos mais tempo para dúvidas!”. Não temos igualmente mais tempo para brincarmos de confusos ou acharmos que somos espontâneos numa civilização de hierarquização, de polarização e de opressão, como a nossa, fiel herdeira das civilizações precedentes, igualmente hierarquizantes, polarizadoras e opressoras. Vivemos, portanto, numa civilização velha de modo que ser novo é também e antes de tudo entender claramente as consequências desse argumento: temos sim que superar a civilização burguesa, começando por superar os principais esteios que a sustentam, com clareza e sem dúvida: o imperialismo ocidental, fundamentalmente bélico; as oligarquias, os despóticos poderes das corporações, assumindo integralmente a política como espaço de decisão sobre os destinos da humanidade inteira, independente de grupos, de países, de qualquer outro referencial segmentado, particular.
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Leituras feitas de sites de esquerda pelo mundo afora, principalmente de analistas políticos internacionais, tendem a assumir os seguintes pressupostos molares: 1) Os governos do PT, de Lula e de Dilma, traíram totalmente a classe trabalhadora, ao não se libertarem do neoliberalismo, principalmente considerando seus dois principais eixos molares, o da chamada autonomia do Banco Central e o da política submissa de garantia de um insustentável superávit primário, fonte criminosa de enriquecimento de meia dúzia de credores, abandonando, por exemplo, setores como o da saúde, educação, moradia, reforma agrária, transporte coletivo, pois tanto a política dos juros altos, estabelecidos pelo Banco Central, como o suicídio do superávit primário constituem, juntos, a verdadeira sangria do povo brasileiro e a continuidade da nossa rendição ao neoliberalismo. Se quisermos dar consequências a esses argumentos, absolutamente legítimos, é preciso perguntar, também: onde o povo molecular na rua está claramente exigindo o fim de sua escravidão relativamente à autonomia do Banco Central e de seu sequestro realizado pelo superávit primário? Ou será que, mesmo sem o saber e que tenha todos os motivos do mundo para se rebelar, o supostamente molecular povo na rua não foi capturado para precisamente retirar do poder um governo considerado duvidoso (para as oligarquias dominantes) precisamente porque não tem respeitado tanto assim o imperativo categórico dos juros altos ( da autonomia do Banco Central) e também o do superávit primário? Onde o povo molecular na rua, insisto, para exigir que o governo diminua drasticamente os juros (taxa Selic) e acabe logo com a verdadeira corrupção que é o superávit primário, investindo todo esse recurso nas cidades brasileiras, editadas de forma duramente molar pela divisão de classe que empurra sem dó nem piedade o povo pobre (vara de porcos?) para as periferias de periferias?
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Em diálogo com David Harvey, existe uma relação direta entre os espaços da cidade, fundamentalmente molares (editados previamente pelos interesses especulativos, imobiliários, multinacionais, por segmentos de classe) e a edição privatista e individualista da cultura prevalecente em nossa época pelo menos desde a década de 70, qual seja: a cultura neoliberal. As cidades possuem, pois, uma divisão espacial previamente editada no âmbito de sua configuração de classe, intensificada no período neoliberal, que é o que ainda vivemos. É evidente que as manifestações que tomaram as cidades nas últimas semanas têm relação direta com as históricas exclusões inscritas no próprio tecido urbano, não sendo circunstancial que tudo tenha começado com um insuportável aumento da passagem de ônibus, independente se foi aquém da inflação, pois a mobilidade urbana constitui o mais flagrante delito contra o direito de ir e vir, deixando claro o impeachment contra a cidadania, a verdadeira premissa urbana de nossa época.
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É igualmente por isso que um movimento insubmisso, jovialmente indignado, que se volta contra o segregacionismo urbano, enchendo suas ruas e avenidas, não deve permitir, no processo de sua constituição: 1) que o monopólio da palavra elitista, capacho do imperialismo americano, marca do sistema midiático brasileiro, edite e seqüestre a luta por um país justo ao reforçar as tendências mais nefastas da exclusão urbana, as quais se definem concretamente pelas péssimas condições de mobilidade e de moradia precisamente dos pobres e dos negros, empurrados cada vez mais para periferia de periferias, pela implacável volúpia da especulação imobiliária; 2) que a questão política da edição, portanto, não se dá apenas no âmbito dos suportes midiáticos, mas também no tecido urbano, ele mesmo editado previamente pela evidente repartição classista e racista do espaço urbano, com a região dos ricos, dos pobres, dos miseráveis, dos excluídos mesmo da exclusão, tal o abandono histórico da maior parte da população; 3) que intervir no espaço urbano é também uma questão de edição, no sentido claramente político, razão por que tal intervenção não pode negar a política e muito menos não pode ser uma manifestação contra a política, mas antes de tudo uma manifestação que leve em conta que o espaço urbano é ele mesmo um espaço de ignominiosa exclusão de classe, étnica, de gênero, epistemológica; 4) que qualquer intervenção no espaço urbano que não leve essas molares edições prévias, ao mesmo tempo contra a população pobre, contra os negros, contra a maioria esmagadora, será facilmente reeditada pelas corporações midiáticas nacionais e internacionais e servirá inevitavelmente aos interesses mais escusos, fascistas e golpistas; 5) que é, por isso mesmo, preciso decidir, decisão revolucionária, realmente indignada, sobre qual espaço da cidade vale a pena ser ocupado; 6) que é preciso evitar a tudo custo ocupar os espaços da cidade nos quais os trabalhadores mais excluídos geralmente circulam; 7) que a cidade a ser ocupada é precisamente a dos ricos, a fim de não sermos apanhados pela edição prévia de estarmos tomando precisamente a cidade já tomada, enquanto os ricos nos assistem confortavelmente, em conformidade com as edições prévias e as reedições posteriores elaboradas precisamente pela TV Globo e pelo conjunto do oligopólio midiático; 8) que não temos que ir para as ruas com cartazes esperando que o sistema midiático nos apanhe e nos mostre para o mundo porque esse tipo de perspectiva está previamente editado pela sociedade do espetáculo; 9) que a luta é também contra a sociedade do espetáculo; 10) que o imperialismo é o gestor mundial das edições prévias, presentes e futuras de modo que sua principal preocupação é manter a ordem imperialista das edições instituídas, razão por que não nos iludamos, ele conhece nossos passos;11) que é preciso ir às ruas contra as edições prévias, presentes e futuras do imperialismo, conhecendo seus interesses prévios, presentes e futuros com relação ao Brasil, à América Latina, ao mundo;12) que tudo está perdido se acreditamos apenas no espaço urbano concreto, sem levarmos em consideração a necessidade imperiosa de ocuparmos outros espaços, o jurídico, o subjetivo, o bancário e sobretudo o mediático, por ser o virtual espaço de reedição do já editado: a miséria da vida e do mundo;13) que o lugar da mentira e da demagogia no contemporâneo é o das corporações midiáticas, de modo que sob hipótese alguma devemos cair em suas artimanhas; 14) que ou ocupamos o espaço midiático ou estaremos condenados, independente de nossas verdadeiras intenções, a sermos inevitavelmente ocupados, ao sermos reeditados em conformidade com os interesses, sobretudo imperialistas, realmente responsáveis pela miséria urbana do Brasil e do mundo.
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O imperialismo ocidental não é uma transcendência, isto é, não é um fora em relação às nossas supostas moleculares vidas, pois se manifesta em nós mesmos, em nossas supostas multiplicidades quando, por exemplo ocupamos as cidades, para nos manifestarmos, sem considerar que os centros urbanos do Brasil e do mundo estão, de forma molar, previamente editados pelos interesses especulativos, imobiliários, midiáticos, oligárquicos. Se não reeditamos essas edições prévias dos centros urbanos, mais que ocuparmos as cidades, estamos sendo literalmente ocupados por ela, logo pelo imanente e onipresente imperialismo ocidental, que se manifesta concretamente no jogo das edições passadas, presentes e futuras, a serviço dos interesses de suas oligarquias.
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Desde que o mundo é mundo, como aqui foi dito, o grande jogo despótico dos poderes constituídos foi e é: capturar as multiplicidades, esconjurando seus demônios. Na sociedade do espetáculo, que é a que realmente vivemos, as cidades são antes de tudo cidades espetaculares, fortemente editadas pelas edições e reedições elaboradas despoticamente (nunca somos consultados) pelo tirânico e molecular (porque sabe sorrir) poder das corporações midiáticas, sempre a serviço do imperialismo ocidental. Ir às ruas para produzir fisicamente o espetáculo no interior de uma cidade espetacular é simplesmente suicídio ao mesmo tempo molar e molecular, pela simples razão de que fatalmente seremos reeditados em contextos a partir dos quais e nos quais nossos mais legítimos desejos de justiça serão capturados e transformados em dezenas de milhões de brasileiros exigindo dos molares poderes constituídos a volta da ordem imperialista, sob a forma de golpe militar, jurídico, parlamentar, midiático, moleculares.
17
É assim que esconjuraremos, nós mesmos, nossos demônios, acreditando que estamos sendo sujeitos moleculares de edição, em contextos posteriores, de reedições, nos quais e a partir dos quais somos e seremos espetacularmente reeditados em conformidade com o molar plano dos donos do mundo.
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É preciso ocupar a sociedade do espetáculo, desestruturá-la de sua função espetacular, que transforma sem cessar tudo em mais espetáculo, inclusive as possíveis revolucionárias revoltas juvenis.
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Ocupemos, pois, aqueles que nos ocupam desde antes. Ocupemos as mídias corporativas e as usemos, de forma molecular, para que editem notícias, filmes, danças, novelas, entretenimentos, reportagens, músicas, poemas, ficções e realidades de um povo realmente molecular porque sabe claramente que jamais pode abandonar as conquistas molares fundamentais para a vida: a do pão pra tod@s; a da moradia digna para tod@s, a do transporte urbano digno, que de forma alguma pode ser privado; a de que um povo livre, que produz os caminhos moleculares e molares de sua infinita justiça, é antes de tudo um povo que não se submete aos poderes instituídos, sabendo, na atualidade, conhecer e reconhecer, sem a mínima dúvida, o mais nefasto deles: o imperialismo bélico ocidental, que nos ameaça destruir a tod@s com as atômicas armas moleculares vindas de todos os lados: a bomba atômica, as radiações bombásticas de fósforos brancos, de plutônios empobrecidos, as de nêutrons; as igualmente radiativas bombas especulares que nos tornam inevitavelmente espetaculares, quando devemos ser simplesmente amáveis amantes das infinitas igualdades, as únicas que nos tornarão, inventando-as, realmente povos moleculares.
20
Para tanto, nosso maio de 68, quando não mais precisaremos de mestres, não mais será editado por insubmissos jovens espetaculares, porque tod@s seremos velhamente jovens, no devir infância de nossa jovialidade velha, porque jamais recusará as duras aprendizagens molares do milenar passado opressor que nos tem tornado tod@s vetustos quanto mais nos pensamos espontaneamente livres de suas moleculares molares garras despóticas, soberanas, étnicas, patriarcais, midiáticas, cibernéticas, no enquadramento espetacular de um estilizado sorriso para a morte, enquanto os fluxos da rede nos enreda quanto mais nos sentimos nós mesmos partículas da matrix das multiplicidades iludidamente espontâneas, nos servidores do capital.
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Aí, sim, seremos nosso junho de ninguém, porque de qualquer um, porque realmente de carne e osso, fluxos de abraços.
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Luis Eustáquio Soares é poeta, escritor, ensaísta e professor da Universidade Federal do Espírito Santo (Ufes)
Os filósofos Gilles Deleuze e Félix Guattari propuseram duas formas de política para atuar, pensar, criar, ler, viver: uma política existencial molar e uma política existencial molecular. A primeira, a molar, é constituída por planos fixos, segmentados, já instituídos, como certa ideia de esquerda em contraposição a outras não menos previsíveis visões do que seja direita; bem versus mal, povo homogêneo, amigo versus inimigo, centro e periferia; pobre e rico; homem e mulher, heterossexual, homossexual; ser branco, ser negro, ser índio, ser criança, ser latino, ser americano, ser jovem, fases etárias, saberes instituídos, a própria língua, entendida como um conjunto de convenções que nos faz falar cadeira, por exemplo, e imediatamente pensar ou ver uma cadeira, objeto de quatro pernas contendo um suporte onde sentamos para realizar múltiplas atividades cotidianas; enfim, molar é tudo que está estratificado, organizado, dado, realizado, sendo perceptível, dedutível, acreditável. Por sua vez, a segunda perspectiva existencial, a molecular, é precisamente o contrário da molar: é tudo que não está dado, que não está pronto, que não está instituído, nunca é um à priori, de modo que também não é fixo, é movente, metamórfico, uma coisa e outra e outra, sem que possamos regular de antemão; sem que possamos dizer, “é isto”, “é aquilo”, porque é sempre um aglomerado de partículas, de misturas, de heterogêneos, de imperceptíveis, de séries divergentes. O molecular é, pois: o não visto, o não sentido, não pensado, não escutado, não realizado, não esquadrinhado, multiplicidades imprevisíveis.
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O jogo entre a política existencial molar e a molecular determina nossas vidas, sobretudo se o assumimos integralmente, o que só é possível sabendo de antemão que o molar, os valores fixados numa época dada, não é absoluto precisamente porque a sua grande tara, sua, digamos, verdadeira fixação é a conquista ininterrupta do plano molecular, seja administrando-o, seja potencializando suas energias irreprimíveis para conquistas definitivamente molares, como a de cargos eletivos, de lucros astronômicos. Desde que o mundo é mundo, principalmente tendo em vista as civilizações de tradição do oprimido, o desafio dos poderes molares instituídos sempre foi o de submeter o plano molecular, colocá-lo a serviço do molar. A nossa época, principalmente na sua versão falsamente molecular, a ocidental, pode ser simplesmente definida como um período histórico que imita o plano molecular, a fim de a vivermos ou de vivermos nela como se estivéssemos em pleno ciclo da vida livre, irreprimível, marcada por multiplicidades étnicas, de gênero, culturais, etárias, estéticas. Essa é, pois, uma questão crucial, de vida ou de morte, na atualidade: o imperialismo ocidental se especializou, com o uso das novas tecnologias de comunicação, em apanhar o plano molecular, fazendo-o agir a seu serviço, mesmo que acredite que esteja produzindo a sua liberdade molecular, múltipla, irreprimível. A crença atual na espontaneidade juvenil, sobretudo das classes médias, marcada pela alegria, descontração, pela suposta liberdade sexual, pelo respeito às diferenças, enfim, a crença que nossa época tem no plano molecular certamente tem relação com o pior aspecto possível do plano molar: a sua gestão mundial sofisticada pelo imperialismo ocidental.
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Nas civilizações marcadas por religiões semíticas de salvação, como a nossa, a cristã, a mulçumana, a judaica, Deus geralmente é concebido como um centro molar transcendental, um a priori da justiça, da bondade, da beleza, da harmonia, da proteção, por outro lado, o diabo é visto e descrito como molecular, daí a célebre passagem bíblica, em Marcos 5:9: “Então Jesus lhe perguntou: ‘Qual é o seu nome? Meu nome é Legião’, respondeu ele, porque somos muitos’.” O diabo, pois, é molecular porque é legião, sempre é um e outro de outro, híbrido, sem que possa ser definido de antemão, não sendo circunstancial que é também vara de porcos, um indefinido coletivo considerado sujo, bestial, incontrolável.
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É possível conceber o povo, portando, sob duas formas: um povo molar e um povo molecular, num contexto em que o primeiro é apanhado pela transcendência molar, por Deus, pelo Estado, pelo mercado, pelas instituições, pelos saberes, sendo harmonizado, esquadrinhado, enfeixado, organizado, amansado, pacificado; e, por sua vez, o segundo, o povo molecular, é geralmente percebido como um povo sem direção, descentralizado, desorganizado, invadindo ruas, instituições, sem que possamos apreendê-lo, domesticá-lo, tal como a vara de porcos – um coletivo inapreensível, sujo, impuro, híbrido, imperceptível, imprevisível. Por outro lado, como o contemporâneo é o período de imitação do plano molecular, uma dissimulada época que a si mesma vive como se realizasse por todos os lados os fluxos livres das multiplicidades imperceptíveis, com sorrisos, é possível deduzir que na verdade o nosso atual período histórico se caracteriza como a de um povo molecular apanhado e esquadrinhado pelo plano molar, de tal maneira que acredite que, ao se expressar supostamente de forma criativa, destemida, revolucionária, esteja livre dos planos molares tradicionais, como o plano molar do patriarcado, logo da opressão de gênero, e/ou o plano molar racista, logo da opressão étnica; ou ainda o plano molar da concentração de riqueza, sob a forma de opressão de uma classe sobre as outras.
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A grande sacada do imperialismo ocidental, como forma planetária de gestão de ilusões no interior do capitalismo contemporâneo, é a produção (via tecnologias de comunicação, via sociedade do espetáculo) de um teatral povo molecular que é paradoxalmente tanto mais molar quanto mais acredita ser molecular. Um, portanto, molecular povo molar que, ao ter a ilusão de que se expressa como molecular, como povo livre de poderes instituídos, realiza sem que o saiba (e muitas vezes sabendo) o jogo dos poderes molares de sempre, como o molar e milenar poder patriarcal, como o molar e não menos milenar poder étnico, branco, se consideramos a história da modernidade ocidental; como enfim e em começo o poder molar do sequestro das riquezas comuns. Nossa época acha que deve se livrar dos planos molares históricos, como, por exemplo, o molar plano maniqueísta que divide o mundo em bem e mal, e, achando, ilude-se que basta dizer que não é molar que a gente deixa de ser, espontaneamente, como um ato de vontade individual e de pequenos grupos ou segmentos de classe. Esse é, pois, o pior obstáculo do contemporâneo: a crença de que estamos realizando as liberdades irreprimíveis do plano molecular, abandonando e desqualificando, como inferiores, todos os planos molares, sem saber que estes continuam nos esquadrinhando, vigiando, orquestrando, tomando, usando-nos a seu bel-prazer, principalmente o plano molar-mor da atualidade: o imperialismo ocidental, especialista em sequestrar povos moleculares e fazê-los agir em seu nome acreditando produzir a sua própria liberdade.
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Ser molar, hoje, portanto, é acreditar que somos moleculares, abandonando totalmente “velhos” planos molares produzidos pelos povos moleculares do mundo, como o da luta de classes, o da necessidade de produzirmos uma sociedade pós-capitalista, dos comuns, comunista. Nossa época iludidamente molecular orgulhosamente defende a dúvida, a confusão, a incerteza, como parâmetros de uma supostamente livre sociedade molecular, num contexto em que necessitamos como nunca dos molares planos das seguintes certezas realmente liberadoras: a certeza de que é impossível uma sociedade realmente molecular ou a produção de uma civilização de povos moleculares sem a superação do capitalismo, imutavelmente molar; ou a molar certeza de que a opressão de classe, de alcance planetário (sob a forma molecular de intensa divisão social do trabalho e dos saberes), é ainda o grande desafio a ser superado, se quisermos realmente produzir, em processo, um povo molecular. O abandono principalmente dessas duas certezas molares precedentes, a necessidade de produção de uma sociedade pós-capitalista a partir do fim da opressão de classe, é o que tem nos tornado extremamente vulneráveis hoje, alegres presas fáceis do, insisto, mais funesto plano molecular jamais existido, acúmulo sofisticado e tecnológico de todos os outros: o imperialismo ocidental.
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Por outro lado, não existe maior perigo para as esquerdas que o de se tornarem molares, acreditando-se moleculares. Acreditando, pois, que o povo molecular está nas ruas realizando involuções “revolucionárias” líbias, egípcias, sírias, espanholas, brasileiras e tantas outras do passado mais ou menos recente, chamadas de “revoluções das tulipas”, das laranjas, das cores, tendo como parâmetro antes de tudo o horizonte da liberdade civil, como se este fosse o lugar por excelência de realização de um povo molecular. As esquerdas estão no geral sem norte e muitas vezes defendem a falta de norte como uma salutar forma de produção de perspectivas moleculares. Elas não podem, sob hipótese alguma, abandonar alguns importantes e indispensáveis planos molares duramente conquistados, de forma molecular, sempre, a saber (e repito): o plano molar de que é preciso cobrar sim dos movimentos sociais, confundindo-se com eles, sendo eles, perspectivas pós-capitalistas claras, objetivas, sabendo de antemão que o imperialismo é o nosso molar inimigo comum, razão pela qual as nossas bandeiras, ao irmos para as ruas, deve ter esse norte, um norte principalmente fundamental para os moleculares povos do sul: o norte sul ou o sul norte de que é preciso ir para as ruas sim contra o capitalismo, logo contra as oligarquias, logo contra as corporações, logo contra o imperialismo ocidental, plenamente consciente de que este é o gestor mundial do engano geral em que nos metemos ao nos acreditarmos moleculares sem realizarmos um efetivo exercício de desqualificação e de destronamento do mais nefasto plano molar em que estamos mergulhados muito além do pescoço: a civilização ocidental e seus molares esteios fundamentados no fetiche da mercadoria, na submissão planetária à forma-dinheiro e também na submissão ao fetiche desta outra mesma mercadoria: a de que as sociedades civis são o verdadeiro lugar do plano molecular de nossa época.
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Um verdadeiro povo molecular, portanto, não pode, sob hipótese alguma, abandonar os planos molares conquistados historicamente por suas revolucionárias lutas moleculares do passado só porque acredita que hoje ele é espontaneamente molecular. Maio de 68 foi apanhado, como movimento molecular, pelo plano molar das estratégias atuais do imperialismo ocidental, que nos vende (se trata mesmo de vender) a ilusão, por exemplo, de que a juventude (principalmente as de perfis de classe média, marcadas pelo estilo americano de vida) é o espontâneo, alegre e sexual corpo/rosto da produção de um mundo molecular, de modo que, para que este último aconteça, é necessariamente fundamental que abandonemos a figura do adulto e do mestre, vista e concebida por todos os lados como autoritária, despótica, molar. Maio de 68, na França, inventou a juventude, tal como a conhecemos no contemporâneo. A hipótese principal é: maio de 68, como movimento revolucionário que procurou destronar a figura do mestre e do adulto foi capturado pelo imperialismo ocidental, razão pela qual produzimos sim uma juventude presunçosa, que tende a desqualificar os planos molares conquistados pelos (também jovens) moleculares povos do passado porque, de forma molar, acredita que esses planos (exemplos de sempre: a produção de uma sociedade pós-capitalista, o fim da opressão de classe) são anacronismos defendidos por carrancudos adultos que insistem em se posicionar como não menos anacrônicos e superados mestres.
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As esquerdas tendem a fazer uma conciliação entre Deus e o Diabo quando o assunto é o povo revolucionário, molecular, pois geralmente o concebem ao mesmo tempo como vara de porcos, revoltando-se, mas também como povo homogêneo, marcado pela unidade transcendental, como se o povo se revoltasse por motivos semelhantes: a fúria contra um ditador, contra um governo, contra uma igual situação de injustiça patrocinada por tal e qual estado, sempre tendo em vista a premissa molar de que o povo é o povo da revolução, da luta por justiças, genuinamente anticapitalistas ou que o povo o é de determinado país, o povo brasileiro, o argentino, o venezuelano, o americano, sem considerar, por exemplo, a molar molecular divisão do povo, sua dissonância, seus dissensos irreconciliáveis, como a divisão de classes, de língua, étnicas, culturais; e também seu perfil híbrido, nacional e estrangeiro, rural e urbano, anacrônico e futurista, metamórfico como o diabo, sem que possamos enfeixá-lo por qualquer forma de a priori.
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Muito do que tem sido analisado sobre as manifestações que tomam as ruas do Brasil, previsivelmente parte de pontos vista típicos de uma política existencial molar. As análises feitas pelo mundo daqueles que se consideram de esquerda exigem perspectivas moleculares, se quiserem realmente não apenas entender de antemão a salutar ocupação das ruas, com vistas a produzir um país mais justo, mas também se quiserem influir de modo mais consequente nos rumos dos acontecimentos. E isso por uma questão muito simples: o imperialismo, como gestor mundial do capital, embora molar, planeja e age de forma molecular, sabendo claramente que o grande jogo, o da dominação total da espécie humana, só é vencido realmente se o plano molecular, o da vida em sua intensidade de criação, de tesão, de critica, de libertação, de desejos, justiças, for cuidadosamente apanhado pelo plano molar dos interesses, por exemplo, das multinacionais – verdadeiro poder do contemporâneo, mais que o poder do Estado.
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No entanto, como o que era molecular tende a se tornar molar, é preciso ter clareza, fora de qualquer dúvida molecular (ou molar) de como devemos agir. Na primeira versão do filme Matrix (1999), num momento culminante da narrativa, o personagem Morpheus diz claramente para Neo: “Não temos mais tempo para dúvidas!” Se quisermos realmente ser jovens (neo, como sabemos, significa novo), esta é também, ainda que molar, a verdadeira premissa de nossa época: “Não temos mais tempo para dúvidas!”. Não temos igualmente mais tempo para brincarmos de confusos ou acharmos que somos espontâneos numa civilização de hierarquização, de polarização e de opressão, como a nossa, fiel herdeira das civilizações precedentes, igualmente hierarquizantes, polarizadoras e opressoras. Vivemos, portanto, numa civilização velha de modo que ser novo é também e antes de tudo entender claramente as consequências desse argumento: temos sim que superar a civilização burguesa, começando por superar os principais esteios que a sustentam, com clareza e sem dúvida: o imperialismo ocidental, fundamentalmente bélico; as oligarquias, os despóticos poderes das corporações, assumindo integralmente a política como espaço de decisão sobre os destinos da humanidade inteira, independente de grupos, de países, de qualquer outro referencial segmentado, particular.
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Leituras feitas de sites de esquerda pelo mundo afora, principalmente de analistas políticos internacionais, tendem a assumir os seguintes pressupostos molares: 1) Os governos do PT, de Lula e de Dilma, traíram totalmente a classe trabalhadora, ao não se libertarem do neoliberalismo, principalmente considerando seus dois principais eixos molares, o da chamada autonomia do Banco Central e o da política submissa de garantia de um insustentável superávit primário, fonte criminosa de enriquecimento de meia dúzia de credores, abandonando, por exemplo, setores como o da saúde, educação, moradia, reforma agrária, transporte coletivo, pois tanto a política dos juros altos, estabelecidos pelo Banco Central, como o suicídio do superávit primário constituem, juntos, a verdadeira sangria do povo brasileiro e a continuidade da nossa rendição ao neoliberalismo. Se quisermos dar consequências a esses argumentos, absolutamente legítimos, é preciso perguntar, também: onde o povo molecular na rua está claramente exigindo o fim de sua escravidão relativamente à autonomia do Banco Central e de seu sequestro realizado pelo superávit primário? Ou será que, mesmo sem o saber e que tenha todos os motivos do mundo para se rebelar, o supostamente molecular povo na rua não foi capturado para precisamente retirar do poder um governo considerado duvidoso (para as oligarquias dominantes) precisamente porque não tem respeitado tanto assim o imperativo categórico dos juros altos ( da autonomia do Banco Central) e também o do superávit primário? Onde o povo molecular na rua, insisto, para exigir que o governo diminua drasticamente os juros (taxa Selic) e acabe logo com a verdadeira corrupção que é o superávit primário, investindo todo esse recurso nas cidades brasileiras, editadas de forma duramente molar pela divisão de classe que empurra sem dó nem piedade o povo pobre (vara de porcos?) para as periferias de periferias?
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Em diálogo com David Harvey, existe uma relação direta entre os espaços da cidade, fundamentalmente molares (editados previamente pelos interesses especulativos, imobiliários, multinacionais, por segmentos de classe) e a edição privatista e individualista da cultura prevalecente em nossa época pelo menos desde a década de 70, qual seja: a cultura neoliberal. As cidades possuem, pois, uma divisão espacial previamente editada no âmbito de sua configuração de classe, intensificada no período neoliberal, que é o que ainda vivemos. É evidente que as manifestações que tomaram as cidades nas últimas semanas têm relação direta com as históricas exclusões inscritas no próprio tecido urbano, não sendo circunstancial que tudo tenha começado com um insuportável aumento da passagem de ônibus, independente se foi aquém da inflação, pois a mobilidade urbana constitui o mais flagrante delito contra o direito de ir e vir, deixando claro o impeachment contra a cidadania, a verdadeira premissa urbana de nossa época.
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É igualmente por isso que um movimento insubmisso, jovialmente indignado, que se volta contra o segregacionismo urbano, enchendo suas ruas e avenidas, não deve permitir, no processo de sua constituição: 1) que o monopólio da palavra elitista, capacho do imperialismo americano, marca do sistema midiático brasileiro, edite e seqüestre a luta por um país justo ao reforçar as tendências mais nefastas da exclusão urbana, as quais se definem concretamente pelas péssimas condições de mobilidade e de moradia precisamente dos pobres e dos negros, empurrados cada vez mais para periferia de periferias, pela implacável volúpia da especulação imobiliária; 2) que a questão política da edição, portanto, não se dá apenas no âmbito dos suportes midiáticos, mas também no tecido urbano, ele mesmo editado previamente pela evidente repartição classista e racista do espaço urbano, com a região dos ricos, dos pobres, dos miseráveis, dos excluídos mesmo da exclusão, tal o abandono histórico da maior parte da população; 3) que intervir no espaço urbano é também uma questão de edição, no sentido claramente político, razão por que tal intervenção não pode negar a política e muito menos não pode ser uma manifestação contra a política, mas antes de tudo uma manifestação que leve em conta que o espaço urbano é ele mesmo um espaço de ignominiosa exclusão de classe, étnica, de gênero, epistemológica; 4) que qualquer intervenção no espaço urbano que não leve essas molares edições prévias, ao mesmo tempo contra a população pobre, contra os negros, contra a maioria esmagadora, será facilmente reeditada pelas corporações midiáticas nacionais e internacionais e servirá inevitavelmente aos interesses mais escusos, fascistas e golpistas; 5) que é, por isso mesmo, preciso decidir, decisão revolucionária, realmente indignada, sobre qual espaço da cidade vale a pena ser ocupado; 6) que é preciso evitar a tudo custo ocupar os espaços da cidade nos quais os trabalhadores mais excluídos geralmente circulam; 7) que a cidade a ser ocupada é precisamente a dos ricos, a fim de não sermos apanhados pela edição prévia de estarmos tomando precisamente a cidade já tomada, enquanto os ricos nos assistem confortavelmente, em conformidade com as edições prévias e as reedições posteriores elaboradas precisamente pela TV Globo e pelo conjunto do oligopólio midiático; 8) que não temos que ir para as ruas com cartazes esperando que o sistema midiático nos apanhe e nos mostre para o mundo porque esse tipo de perspectiva está previamente editado pela sociedade do espetáculo; 9) que a luta é também contra a sociedade do espetáculo; 10) que o imperialismo é o gestor mundial das edições prévias, presentes e futuras de modo que sua principal preocupação é manter a ordem imperialista das edições instituídas, razão por que não nos iludamos, ele conhece nossos passos;11) que é preciso ir às ruas contra as edições prévias, presentes e futuras do imperialismo, conhecendo seus interesses prévios, presentes e futuros com relação ao Brasil, à América Latina, ao mundo;12) que tudo está perdido se acreditamos apenas no espaço urbano concreto, sem levarmos em consideração a necessidade imperiosa de ocuparmos outros espaços, o jurídico, o subjetivo, o bancário e sobretudo o mediático, por ser o virtual espaço de reedição do já editado: a miséria da vida e do mundo;13) que o lugar da mentira e da demagogia no contemporâneo é o das corporações midiáticas, de modo que sob hipótese alguma devemos cair em suas artimanhas; 14) que ou ocupamos o espaço midiático ou estaremos condenados, independente de nossas verdadeiras intenções, a sermos inevitavelmente ocupados, ao sermos reeditados em conformidade com os interesses, sobretudo imperialistas, realmente responsáveis pela miséria urbana do Brasil e do mundo.
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O imperialismo ocidental não é uma transcendência, isto é, não é um fora em relação às nossas supostas moleculares vidas, pois se manifesta em nós mesmos, em nossas supostas multiplicidades quando, por exemplo ocupamos as cidades, para nos manifestarmos, sem considerar que os centros urbanos do Brasil e do mundo estão, de forma molar, previamente editados pelos interesses especulativos, imobiliários, midiáticos, oligárquicos. Se não reeditamos essas edições prévias dos centros urbanos, mais que ocuparmos as cidades, estamos sendo literalmente ocupados por ela, logo pelo imanente e onipresente imperialismo ocidental, que se manifesta concretamente no jogo das edições passadas, presentes e futuras, a serviço dos interesses de suas oligarquias.
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Desde que o mundo é mundo, como aqui foi dito, o grande jogo despótico dos poderes constituídos foi e é: capturar as multiplicidades, esconjurando seus demônios. Na sociedade do espetáculo, que é a que realmente vivemos, as cidades são antes de tudo cidades espetaculares, fortemente editadas pelas edições e reedições elaboradas despoticamente (nunca somos consultados) pelo tirânico e molecular (porque sabe sorrir) poder das corporações midiáticas, sempre a serviço do imperialismo ocidental. Ir às ruas para produzir fisicamente o espetáculo no interior de uma cidade espetacular é simplesmente suicídio ao mesmo tempo molar e molecular, pela simples razão de que fatalmente seremos reeditados em contextos a partir dos quais e nos quais nossos mais legítimos desejos de justiça serão capturados e transformados em dezenas de milhões de brasileiros exigindo dos molares poderes constituídos a volta da ordem imperialista, sob a forma de golpe militar, jurídico, parlamentar, midiático, moleculares.
17
É assim que esconjuraremos, nós mesmos, nossos demônios, acreditando que estamos sendo sujeitos moleculares de edição, em contextos posteriores, de reedições, nos quais e a partir dos quais somos e seremos espetacularmente reeditados em conformidade com o molar plano dos donos do mundo.
18
É preciso ocupar a sociedade do espetáculo, desestruturá-la de sua função espetacular, que transforma sem cessar tudo em mais espetáculo, inclusive as possíveis revolucionárias revoltas juvenis.
19
Ocupemos, pois, aqueles que nos ocupam desde antes. Ocupemos as mídias corporativas e as usemos, de forma molecular, para que editem notícias, filmes, danças, novelas, entretenimentos, reportagens, músicas, poemas, ficções e realidades de um povo realmente molecular porque sabe claramente que jamais pode abandonar as conquistas molares fundamentais para a vida: a do pão pra tod@s; a da moradia digna para tod@s, a do transporte urbano digno, que de forma alguma pode ser privado; a de que um povo livre, que produz os caminhos moleculares e molares de sua infinita justiça, é antes de tudo um povo que não se submete aos poderes instituídos, sabendo, na atualidade, conhecer e reconhecer, sem a mínima dúvida, o mais nefasto deles: o imperialismo bélico ocidental, que nos ameaça destruir a tod@s com as atômicas armas moleculares vindas de todos os lados: a bomba atômica, as radiações bombásticas de fósforos brancos, de plutônios empobrecidos, as de nêutrons; as igualmente radiativas bombas especulares que nos tornam inevitavelmente espetaculares, quando devemos ser simplesmente amáveis amantes das infinitas igualdades, as únicas que nos tornarão, inventando-as, realmente povos moleculares.
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Para tanto, nosso maio de 68, quando não mais precisaremos de mestres, não mais será editado por insubmissos jovens espetaculares, porque tod@s seremos velhamente jovens, no devir infância de nossa jovialidade velha, porque jamais recusará as duras aprendizagens molares do milenar passado opressor que nos tem tornado tod@s vetustos quanto mais nos pensamos espontaneamente livres de suas moleculares molares garras despóticas, soberanas, étnicas, patriarcais, midiáticas, cibernéticas, no enquadramento espetacular de um estilizado sorriso para a morte, enquanto os fluxos da rede nos enreda quanto mais nos sentimos nós mesmos partículas da matrix das multiplicidades iludidamente espontâneas, nos servidores do capital.
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Aí, sim, seremos nosso junho de ninguém, porque de qualquer um, porque realmente de carne e osso, fluxos de abraços.
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Luis Eustáquio Soares é poeta, escritor, ensaísta e professor da Universidade Federal do Espírito Santo (Ufes)
terça-feira, julho 02, 2013
Que jornais devo ler em Minas? E no Brasil?
JOSEPH PULITZER ( 1847 - 1911 ) E MILLÔR FERNANDES ( 1925 - 2012 )
"Com o tempo, uma imprensa cínica, mercenária, demagógica e corrupta formará um público tão vil como ela mesma".
Millôr Fernandes em 2006:
"“A imprensa brasileira sempre foi canalha. Eu acredito que se a imprensa brasileira fosse um pouco melhor poderia ter uma influência realmente maravilhosa sobre o País. Acho que uma das grandes culpadas das condições do País, mais do que as forças que o dominam politicamente, é nossa imprensa. Repito, apesar de toda a evolução, nossa imprensa é lamentavelmente ruim. E não quero falar da televisão, que já nasceu pusilânime”.
"A imprensa deixou há muito de informar, para apenas seduzir, agredir e manipular."
- prof. Andrew Oitke, catedrático de Antropologia em Harvard
“Na imprensa do Brasil, ninguém vai saber o que aconteceu no Brasil com o meu governo. O futuro leitor tem que ler as revistas inglesas, francesas, os jornais alemães, e, acima de tudo, vocês, a internet”.
- Presidente Lula, aos Blogueiros
terça-feira, junho 25, 2013
A partir de nós...!
Saiu no Alecrim
É verdade! A indignação é justa. Mas cada um que ponha a sua consciência à frente e saiba que mudamos o mundo mudando a nós mesmos! Pequenos deslizes éticos, pequenas artimanhas, mentirinhas, tudo isso forja um povo condescendente. Sempre achamos que podemos pegar leve e relevar possibilidades de que coisas erradas estejam acontecendo ao nosso redor. Furar fila em shows, em bancos, passar nossos documentos na frente, dar propina pra funcionário público, comprar simpatias com presentes, fingir estar com mais dor para ser atendido em hospitais e clínicas...jogar o lixo do nosso carro na rua, desobedecer sinais fechados, botar som super alto em carros e casas e festas, fazer passeatas e impedir a circulação do trânsito dizendo pra si mesmo que tem que ser assim, desconhecendo ou fingindo desconhecer que pode estar impedindo alguém de cumprir seus compromissos, e tudo em nome da NOSSA causa justa. E por ai vai. Quem quiser completar essa lista, ela pode chegar bem longe...!
É, temos que rever muitas coisas antes de sair achando que nossas reivindicações são os nossos direitos acima de tudo, até dos direitos dos outros.
Comece também por não vota só em amigos, em celebridades, em queridinhos da mídia, em radialistas, em presidentes de clubes, jogadores de futebol ou só por isso, etc...E em tudo, direção de escola, associação de bairro, condomínio, vereador, etc...Já estão falando até em botar o Joaquim Barbosa na presidência..só porque vem falando o que o povo quer ouvir, ou só porque fez o seu trabalho...Será que ele é tão justo assim???? É o santo da vez? Eu não sei! A história dirá!
Não esqueçamos também de que os interesses dos grandes e dos milionários, dos que detêm o poder, estão também sendo referendados por mídias corruptas travestidas de "liberdade de expressão", com interesses terceiros, nada confessáveis! Mídisa e rádios que só pensam em vender comerciais. Elas também gostam do poder, nem sempre o Democrático! Que dirá então dos empresários que corrompem o sistema, as pessoas, os políticos, intermediários...os jornalistas, os juízes, "and so on".
Pensemos nos brasileiros que acham que o "primeiro mundo" é que é a sociedade ideal, e a nossa, ah, a nossa é escória da escória da escória...!
E as religiões? Seus dogmas e ritos, seus mestres e santos, suas crenças e ídolos, devem preponderar sobre as outras confissões? Sua bíblia, seu Alcorão, seus evangélios, seus livros sagrados são mais sagrados do que os das outras religiões...E quando entram na política, será que não querem um mundo de concepção religiosa única e com uma única adoração?!? Será que não vão querer subsídios dos governos para seus próprios cofres?
Vivas às marchas, mas sejamos solidários e cuidadosos com tudo que é do outro, com os nossos semelhantes e diferentes, e com as nossas cidades, onde a vida deve ser cotidianamente vivida em batalhas pessoais dignas e duras!!!
Esse texto pode não ter fim...
Carlos Wagner
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O lobo da estepe - Hermann Hesse
- O lobo da estepe define minha personalidade de buscador