quarta-feira, agosto 21, 2013

Texto de Clara Arreguy





Hannah Arendt (1906-1975) foi uma filósofa judia alemã que conseguiu escapar do nazismo e se refugiar nos Estados Unidos, onde viveu como professora e autora de diversos livros e teses. Sua importância para o pensamento político contemporâneo é imensa, pois veio dela a principal reflexão sobre o totalitarismo, tanto na face direita (nazista),  quanto na esquerda (stalinista). Foi ela quem criou o termo "banalização do mal", a partir da cobertura que fez para uma revista norte-americana, editada também em livro, do julgamento do nazista Adolf Eichmann em Israel.

Uma fração dessa história está muito bem contada no filme "Hannah Arendt" (foto), da alemã Margarethe von Trotta, que tem Barbara Sukowa no papel da ativista judia em um momento chave de sua vida, justamente o episódio da cobertura do julgamento, em 1963. Ali, ao assistir ao que ela considera equívocos – julgar o Holocausto como um todo durante o julgamento de uma pessoa, um homem, que deveria estar num tribunal internacional, e não sequestrado arbitrariamente por um país –, ela tece uma análise que vai jogar toda a opinião pública contra ela.

O filme é importante e inteligente, mas nessa sequência, em especial, ele revela sua importância para o momento político que estamos vivendo, em que a "opinião pública" se torna um ator impessoal, injusto e cruel. Nos textos que publica sobre Eichmann, Hannah afirma que ele, sob a justificativa adotada pelos criminosos nazistas de que apenas cumpriam ordens, banaliza o mal e renuncia à própria condição de ser humano, pois a natureza do ser humano é pensar, decidir, responsabilizar-se por seus atos. Quando ele age sem consciência, sem assumir o que faz, ele deixa de ser um homem. Ele desqualifica o mal que faz.

Em diversos momentos do filme, a personagem, em flashback, se reencontra com o antigo mestre acadêmico, o filósofo Martin Heidegger, de quem foi mais que a aluna mais brilhante: eram amantes e ela teve nele o grande amor. Hannah se lembra de Heidegger ensinando a importância do pensamento, ensinando a pensar. Recorda também da dor maior sofrida quando, não bastasse a perseguição nazista, a perda do país e da nacionalidade, viu Heidegger sucumbir ao poder do Reich para se manter reitor da famosa Universidade de Heidelberg, bajulando Hitler e se corrompendo intelectualmente.

Reencontros posteriores à guerra não apagaram o desapontamento da ex-aluna com o velho mestre. O grande amor não resistiria à covardia moral, quando tantos (milhões!) morriam, fugiam ou resistiam, na Alemanha e por toda a Europa. Hannah nunca perde o espírito de luta, a coerência, mesmo ao correr riscos. Ela se mantém firme em seus pontos de vista mesmo quando a imprensa, a comunidade acadêmica e a comunidade judaica se juntam contra ela, acusando-a de absolver Eichmann e de responsabilizar lideranças judaicas por omissão durante o extermínio de seu povo (a crítica à postura das lideranças durante a guerra ela de fato assume).

O bombardeio sofrido por Hannah naquele momento a fez perder importantes amigos, companheiros de vida e de luta que não a compreenderam. Isso lhe provoca dor, mas ela não recua. Muitos paravam no pré-julgamento, no preconceito, condenando-a sem sequer ler seus argumentos, com base apenas em "resenhas" de má-fé. Outros, mesmo lendo, discordavam de sua franqueza temerária, consideravam-na traidora. Na universidade onde lecionava, confrontou a direção, que a queria expulsar, e teve apenas o apoio dos alunos.

Numa das cenas mais brilhantes do filme, na aula que ela dá para se defender dos ataques, personagem e atriz dão um show, na explicação clarividente de sua construção política e filosófica. Indagada por uma aluna sobre o porquê de tachar de crimes contra a humanidade os crimes dos nazistas contra os judeus, ela responde candidamente: "Porque os judeus são seres humanos, então um crime contra eles é um crime contra a humanidade. E o que os nazistas queriam era retirar do povo judeu sua condição de humanidade".


Com ensinamentos sobre a importância de pensar, refletir, elaborar, analisar, criticar, sobre defender os pontos de vista nos quais se acredita, sobre defender a pluralidade e a liberdade de pensamento e expressão, sobre a coerência e a coragem diante de qualquer adversidade, sobre pagar o preço por essa coerência e por essa coragem, "Hannah Arendt" mantém viva a figura que o inspirou, uma das mulheres mais brilhantes que iluminou o século XX. Um filme importante, atual, necessário, que nos faz mais inteligentes e joga luz sobre o mundo em que vivemos.

Publicado no caderno Pensar do Estado de Minas em 10/8/13

domingo, agosto 11, 2013

Música Los Hermanos (Diálogo Ele ela)

Do Lado de Dentro

Ele:
Abre essa porta
Que direito você tem de me privar?
Desse castelo que eu construí
Pra te guardar de todo mal
Desse universo que eu desenhei
Pra nós, pra nós
Abre essa porta
Não se faz de morta
Diz o que é que foi
Já que eu larguei tudo pra ti
Já que eu cerquei tudo ao redor
Abre essa porta, vai, por favor,
Que eu sou teu homem, viu?
Que eu sou teu homem, vil.

Ela:
Cala essa boca,
 que isso é coisa pouca
Perto do que passei
Eu que lavei os teus lençóis
Sujos de tantas outras paixões
E ignorei as outras muitas, muitas
Vai, depois liga
Diz pra sua irmã passar
Que eu vou
 mandar
Tudo que é seu, que tem aqui
Tudo que eu não quero guardar
Que é pra esquecer de uma só vez
Que este castelo só me prendeu, viu?
Mas o universo hoje se expandiu
E aqui de dentro a porta se abriu.

sábado, agosto 03, 2013

E agora, hein?

Mensalão: Ministros estariam arrependidos de votos


Sugestão de Assis Ribeiro
Feitiço contra feiticeiros no STF
Por Paulo Moreira Leite 
Após quatro meses de espetáculo pela TV, a notícia é que alguns ministros do STF estão com medo de rever seus votos no julgamento do mensalão
Às vésperas da retomada do julgamento da Ação Penal 470, quando o STF irá examinar os recursos dos 25 condenados, o ambiente no tribunal é descrito da seguinte forma por Felipe Recondo e Debora Bergamasco, repórteres do Estado de S. Paulo, com transito entre os ministros: 
“(...) há ministros que se mostram ‘arrependidos de seus votos’ por admitirem que algumas falhas apontadas pelos advogados de defesa fazem sentido. O problema (...) é que esses mesmos ministros não veem nenhuma brecha para um recuo neste momento. O dilema entre os que acham que foram duros demais nas sentenças é encontrar um meio termo entre rever parte do voto sem correr o risco de sofrer desgaste com a opinião pública.” 
Pois é, meus amigos.  
Após quatro meses de espetáculo pela TV, a notícia é que alguns ministros do STF estão com medo. Não sabem como “encontrar um meio termo entre rever parte de seu voto sem correr o risco de sofrer desgaste com a opinião pública.” 
É preocupante e escandaloso.  
Não faltam motivos muito razoáveis para um exame atento de recursos. Sabe-se hoje que provas que poderiam ajudar os réus não foram exibidas ao plenário em tempo certo. Alguns acusados foram condenados pela nova lei de combate à corrupção, que sequer estava em vigor quando os fatos ocorreram – o que é um despropósito jurídico. Em nome de uma jurisprudência lançada à última hora num tribunal brasileiro, considerou-se que era razoável “flexibilizar as provas” para confirmar condenações, atropelando o direito à ampla defesa, indispensável em Direito. Centenas de supressões realizadas pelos ministros no momento em que colocavam seus votos no papel, longe das câmaras de TV, mostram que há diferença entre o que se disse e o que se escreveu.  
O próprio Joaquim Barbosa suprimiu silenciosamente uma denúncia de propina que formulou de viva voz, informação errada que ajudou a reforçar a condenação de um dos réus, sendo acolhida e reapresentada por outros ministros.  
Eu pergunto se é justo, razoável – e mesmo decente – sufocar esse debate. Claro que não é. 
É perigoso e antidemocrático, embora seja possível encher a boca e dizer que tudo o que os réus pretendem é ganhar tempo, fazer chicana. Numa palavra, garantir a própria impunidade.  
Na verdade estamos assistindo ao processo em que o feitiço se volta contra o feiticeiro. E aí é preciso perguntar pelo papel daquelas instituições responsáveis pela comunicação entre os poderes públicos e a sociedade – os jornais, revistas, a TV.  
O tratamento parcial dos meios de comunicação, que jamais se deram ao trabalho de fazer um exame isento de provas e argumentos da acusação e da defesa, ajudou a criar um clima de agressividade e intolerância contra toda dissidência e toda pergunta inconveniente. 
Os réus foram criminalizados previamente, como parte de uma campanha geral para criminalizar o regime democrático depois que nos últimos anos ele passou a ser utilizado pelos mais pobres, pelos eternamente excluídos, pelos que pareciam danados pela Terra, para conseguir alguns benefícios – modestos, mas reais -- que sempre foram negados e eram vistos como utopia e sonho infantil.  
(A prova de que se queria criminalizar o sistema, e não corrigir seus defeitos, foi confirmada pelo esforço recente para sufocar toda iniciativa de reforma política, vamos combinar.) 
No mundo inteiro, os tribunais de exceção consistem, justamente, num espetáculo onde a mobilização é usada para condicionar a decisão dos ministros.  
“Morte aos cães!”, berravam os promotores dos processos de Moscou, empregados por Stalin para eliminar adversários e dissidentes.  
Em 1792, no Terror da Revolução Francesa, os acusados eram condenados sumariamente e guilhotinados em seguida, abrindo uma etapa histórica conhecida como Termidor, que levou à redução de direitos democráticos e restauração da monarquia.  
No Brasil de 2013, a pergunta é se os ministros vão se render ao medo. 

sexta-feira, agosto 02, 2013

Resenha de Clara Arreguy sobre o filme "Augustine"...


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Histeria e desejo


O filme é "Augustine", de Alice Winocour. O tema, mulheres histéricas, tratadas por um médico que se assombra com sintomas e empreende verdadeira campanha junto a possíveis patrocinadores e apoiadores. Ele revela que durante séculos essas mulheres foram queimadas em fogueiras, tidas como bruxas, possuídas pelo demônio e outros estigmas.



No hospital onde ele toma como paciente uma jovem histérica, as luzes da ciência são poucas contra as sombras do passado, as poucas informações e a compreensão ainda tão difícil. Mas médico e paciente confrontam, inexoravelmente, o inferno da repressão, do pecado, da culpa, do desejo contido que aprisiona, domina, adoece. A cura só pode vir no enfrentamento do desejo. O belo filme fala disso e de muito mais. 

Precede em muito Freud e a psicanálise, tempos de obscurantismo em que mulheres não existiam como seres de direito e voz. Tratamentos eram a própria violência, a segregação, mais tirania. "Augustine" merece ser visto, Augustine merece ser pensada, entendida, amada.

Beijos!

Clara Arreguy, terça-feira, julho 30, 2013.

Todos novos em Capetinga

Todos novos em Capetinga
Olha aí o pessoal lá de antes...

O lobo da estepe - Hermann Hesse

  • O lobo da estepe define minha personalidade de buscador

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