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Cientistas ampliam o foco da crise ambiental, tirando do centro mudanças climáticas
Estoque de biodiversidade no mundo sofreu perdas irreparáveis pela ação predatória do Homo sapiens

O Centro de Resiliência de Estocolmo (Stockholm Resilience Centre), formado por 28 cientistas, dividiu a crise ambiental em dez problemas a serem solucionados - um deles, apenas, se trata do aquecimento global. O objetivo foi ampliar o debate, tirando do foco as mudanças climáticas, consideradas por muitos fora do alcance e das responsabilidades humanas.

O grupo também desenvolveu o conceito de “espaço seguro de manobra”, ou espaço seguro de ação, para que a humanidade solucione as crises ambientais divididas em dez grandes tópicos, sendo que em três deles, já teríamos rompido o espaço de manobra, ou seja, não há mais como reverter os processos de perda. São eles o estoque de biodiversidade e o ciclo de nitrogênio (sua aceleração em rios tem resultado na eutrofização, ou morte de plantas e animais). O processo de mudanças climáticas, defendido pelo grupo como de responsabilidade humana, está próximo de perder qualquer possibilidade de reversão.
Os outros sete grandes tópicos da crise global são: a depressão da camada de ozônio; escassez progressiva de água doce; acidificação dos oceanos (redução do pH); uso indevido do solo; produção de poeira excessiva na atmosfera; poluição do solo (aumento de circulação de produtos químicos) e aumento do ciclo de fósforo.

O professor e pesquisador da Universidade Federal Fluminense (UFF), Arthur Soffiati, que acompanha os estudos do Centro de Resiliência desde 2009, confirma que abordar a crise ambiental, colocando no centro das discussões a responsabilidade humana sobre o aquecimento do planeta, não tem dado resultados a ponto de alterar a relação que temos com a natureza, fruto da visão de que os recursos naturais e os demais seres vivos existem para servir e são ilimitados ou substituíveis graças às evoluções tecnológicas.

Soffiati estuda a relação entre a humanidade e o meio ambiente há 35 anos, e entende que a única forma de existir uma reação coletiva capaz de reverter à crise ambiental em curso “é politizar a discussão, conscientizar as pessoas de que os seres vivos têm direitos”, de existirem e de se reproduzirem no seu habitat natural.

“Enquanto não houver entendimento acerca dos limites do planeta, é inútil pensar em justiça social e desenvolvimento econômico”, completa.
O esquema, com o centro verde que representa o ideal, por assim dizer, de exploração, demonstra que a terra tem uma capacidade grande de se adaptar às agressões humanas. Ainda assim, perdemos qualquer possibilidade de reversão sobre a perda da biodiversidade e aumento exagerado do ciclo de nitrogênio.

O real desafio

Mudar a relação entre a humanidade e o meio ambiente requer superar uma concepção de mais de quinhentos anos, ou desde que o sistema econômico desenvolvido na Europa Ocidental, por volta do século XV, foi fortalecido e levado para as demais culturas humanas, pondera Soffiati.

“Quem poderia imaginar que as sociedades e as culturas japonesa e chinesa, que tiveram relações equilibradas com a natureza, com alguns casos de transgressão, acabassem aceitando a concepção ocidental, de que o mundo é uma coisa que pode ser manipulada, aproveitada e que não tem limites, nem para a extração, nem para receber os dejetos do processo produtivo?”, questiona.

A economia de mercado (ocidental) transformou a concepção de bens de uso em bens de consumo, que gerou o ‘consumismo’, significado para ‘consumo exagerado’, ou seja, aquisição de objetos supérfluos.
O professor entende, também, que usar como exemplo a relação que muitas comunidades indígenas têm de equilíbrio com a natureza não será suficiente para que a humanidade encontre a saída para a atual crise do meio ambiente.

“Para começar não temos mais florestas para atender todas as pessoas. E, segundo, a atual organização de nossas cidades é muito mais complexa, então precisamos lançar mão de tecnologias e novos conhecimentos para encontrar saídas”. Soffiati prevê que seja preciso convencer as pessoas e os governos de que os sistemas ambientais e seres vivos são detentores de direitos.
Para tanto, é importante que as pessoas comuns deem um salto de consciência no sentido de formar um elo entre os problemas ambientais que já enfrentam nas cidades (enchentes, falta de qualidade do ar, alto custo de vida), com o problema da superexploração e uso dos recursos naturais. Ainda assim, a crise alcançou um patamar em que os esforços individuais não proporcionarão mudanças suficientes, ou seja, "apenas as ações em nível mundial trarão os resultados que precisamos", conclui.