quarta-feira, fevereiro 17, 2010

Rabindranath Tagore

"O Gitanja'li" - 28
Coleção Rubáyaát - Traduç~/ao de Guilherme de Almeida, 5ª edição - José Olympio, 1950

Tenazes são os obstáculos, mas dói o meu coração quando tento vencê-los.
A libertação é tudo o que desejo, mas tenho vergonha de esperar por ela.
Tenho certeza de que há em ti um tesouro inestimável, e que és o meu melhor amigo; 
mas não tenho coragem de varrer a quinquilharia de que o meu quarto está cheio. 
O manto que me cobre é o manto de poeira e morte; 
odeio-o, mas abraço-o com amor.
Pesadas são as minhas dívidas, 
enormes as minhas faltas, e a minha vergonha é secreta e grave;
mas quando venho reclamar o meu bem, 
tremo com medo de que seja atendida a minha súplica.

Tagore

sexta-feira, fevereiro 12, 2010

Quantos Haitis

Quantos Haitis?

José Saramago
08/02/2010

No Dia de Todos os Santos de 1755 Lisboa foi Haiti. A terra tremeu quando faltavam poucos minutos para as dez da manhã. As igrejas estavam repletas de fiéis, os sermões e as missas no auge… Depois do primeiro abalo, cuja magnitude os geólogos calculam hoje ter atingido o grau 9 na escala de Richter, as réplicas, também elas de grande potência destrutiva, prolongaram-se pela eternidade de duas horas e meia, deixando 85% das construções da cidade reduzidas a escombros. Segundo testemunhos da época, a altura da vaga do tsunami resultante do sismo foi de vinte metros, causando 600 vítimas mortais entre a multidão que havia sido atraída pelo insólito espectáculo do fundo do rio juncado de destroços dos navios ali afundados ao longo do tempo. Os incêndios durariam cinco dias. Os grandes edifícios, palácios, conventos, recheados de riquezas artísticas, bibliotecas, galerias de pinturas, o teatro da ópera recentemente inaugurado, que, melhor ou pior, haviam aguentado os primeiros embates do terramoto, foram devorados pelo fogo. Dos 275 mil habitantes que Lisboa tinha então, crê-se que morreram 90 mil. Conta-se que à pergunta inevitável “E agora, que fazer?”, o secretário de Estrangeiros Sebastião José de Carvalho e Melo, que mais tarde viria a ser nomeado primeiro-ministro, teria respondido “Enterrar os mortos e cuidar dos vivos”. Estas palavras, que logo entraram na História, foram efectivamente pronunciadas, mas não por ele. Disse-as um oficial superior do exército, desta maneira espoliado do seu haver, como tantas vezes acontece, em favor de alguém mais poderoso.

A enterrar os seus cento e vinte mil ou mais mortos anda agora o Haiti, enquanto a comunidade internacional se esforça por acudir aos vivos, no meio do caos e da desorganização múltipla de um país que mesmo antes do sismo, desde gerações, já se encontrava em estado de catástrofe lenta, de calamidade permanente. Lisboa foi reconstruída, o Haiti também o será. A questão, no que toca ao Haiti, reside em como se há-de reconstruir eficazmente a comunidade do seu povo, reduzido não só à mais extrema das pobrezas como historicamente alheio a um sentimento de consciência nacional que lhe permitisse alcançar por si mesmo, com tempo e com trabalho, um grau razoável de homogeneidade social. De todo o mundo, de distintas proveniências, milhões e milhões de euros e de dólares estão sendo encaminhados para o Haiti. Os abastecimentos começaram a chegar a uma ilha onde tudo faltava, fosse porque se perdeu no terramoto, fosse porque nunca lá existiu. Como por acção de uma divindade particular, os bairros ricos, em comparação com o resto da cidade de Porto Príncipe, foram pouco afectados pelo sismo. Diz-se, e à vista do que aconteceu no Haiti parece certo, que os desígnios de Deus são inescrutáveis. Em Lisboa as orações dos fiéis não puderam impedir que o tecto e e os muros das igrejas lhes caíssem em cima e os esmagassem. No Haiti, nem mesmo a simples gratidão por haverem salvo vidas e bens sem nada terem feito para isso, moveu os corações dos ricos a acudir à desgraça de milhões de homens e mulheres que não podem sequer presumir do nome unificador de compatriotas porque pertencem ao mais ínfimo da escala social, aos não-ser, aos vivos que sempre estiveram mortos porque a vida plena lhes foi negada, escravos que foram de senhores, escravos que são da necessidade. Não há notícia de que um único haitiano rico tenha aberto os cordões ou aliviado as suas contas bancárias para socorrer os sinistrados. O coração do rico é a chave do seu cofre-forte.

Haverá outros terramotos, outras inundações, outras catástrofes dessas a que chamamos naturais. Temos aí o aquecimento global com as suas secas e as suas inundações, as emissões de CO2 que só forçados pela opinião pública os governos se resignarão a reduzir, e talvez tenhamos já no horizonte algo em que parece ninguém querer pensar, a possibilidade de uma coincidência dos fenómenos causados pelo aquecimento com a aproximação de uma nova era glacial que cobriria de gelo metade da Europa e agora estaria dando os primeiros e ainda benignos sinais. Não será para amanhã, podemos viver e morrer tranquilos. Mas, di-lo quem sabe, as sete eras glaciais por que o planeta passou até hoje não foram as únicas, outras haverá. Entretanto, olhemos para este Haiti e para os outros mil Haitis que existem no mundo, não só para aqueles que praticamente estão sentados em cima de instáveis falhas tectónicas para as quais não se vê solução possível, mas também para os que vivem no fio da navalha da fome, da falta de assistência sanitária, da ausência de uma instrução pública satisfatória, onde os factores propícios ao desenvolvimento são praticamente nulos e os conflitos armados, as guerras entre etnias separadas por diferenças religiosas ou por rancores históricos cuja origem acabou por se perder da memória em muitos casos, mas que os interesses de agora se obstinam em alimentar. O antigo colonialismo não desapareceu, multiplicou-se numa diversidade de versões locais, e não são poucos os casos em que os seus herdeiros imediatos foram as próprias elites locais, antigos guerrilheiros transformados em novos exploradores do seu povo, a mesma cobiça, a crueldade de sempre. Esses são os Haitis que há que salvar. Há quem diga que a crise económica veio corrigir o rumo suicida da humanidade. Não estou muito certo disso, mas ao menos que a lição do Haiti possa aproveitar-nos a todos. Os mortos de Porto Príncipe foram fazer companhia aos mortos de Lisboa. Já não podemos fazer nada por eles. Agora, como sempre, a nossa obrigação é cuidar dos vivos.

José Saramago

quarta-feira, fevereiro 03, 2010

Kalil

Enviado pelo poeta Wellington Kalil


EPÍSTOLA AOS ÉBRIOS

Meu Caro Poeta Carlos Wagner: se aconchegue à mesa, companheiro de copo, sirva-se à vontade dessa cachaça que ora te visita e sinta-se bem que o alambique é de casa e o sumo, curtido em barril de carvalho dos jardins da palavra, que a poesia está a postos. Portanto, bebamos e nos refestelemos. Um brinde aos bardos do mundo inteiro, convencidos de que eles estão aqui. Na seqüência, é impossível não se embriagar com essa birita que gentilmente você nos serve – “É tarde, que da noite, oito toadas das muitas mútuas, horas rasgadas, das puras putas púritas, Anas e tantas outras abocanhadas, acanhadas e prontas”- impossível é não entrar em coma alcoólico com esse fraseado  luxuoso (todo o  poema É Tarde) eu o indico a todos os alcoólatras explícitos e anônimos, um construto que soa bem aos ouvidos, nariz e garganta, numa otorrinolaringologia do caralho, e como tiragosto, gostaria de imprimir esse saboroso
Petisco –“voa, para que as asas apareçam...morra, para que a vida rejuvenesça...colha, para que a plantação se faça”. Aqui, o poeta é um venerável viticultor. É preciso dizer mais alguma coisa ? Respeitável senhor do engenho, cachaceiro inveterado, bêbado das esferas. Com a emoção de quem muito te admira. Abraços deste seu companheiro de copo. Sou grato. Agora, me permita destilar o meu veneno (o homem é a muçurana do homem- w.kalil):


Meu andar é quebrado
Quando ando há um negro que ginga em meu quadril
E mesmo parado é um negro solto por aí
Eu sou negro na cadência
Negão partideiro da pele branca
Que não é do branco que toma partido
Pois sob a pele branca
Exalta a minha pele negra
Preste atenção no que eu digo
Preste bem atenção no que eu venho dizer
Há um perigo grifado na minha garganta
Pois quando eu falo
É o sotaque nagô que fala mais alto
Que mesmo calado é tambor atabaque e bongô
E quando eu rezo
Nas devastadoras noites de solidão
É o altar dos orixás que me responde
Porquanto sofro uma dor que o negro tem
Por conta disso
Me dá licença pra eu ainda dizer
O quanto cambaleio por esses terreiros afora
Mas é o cajado do preto-velho
Que vai amparar
O branco script nos ossos
De onde o ritmo

segunda-feira, fevereiro 01, 2010

Canada, here she goes...




Now we miss you so much...
Lovely,
but happy for her...

Todos novos em Capetinga

Todos novos em Capetinga
Olha aí o pessoal lá de antes...

O lobo da estepe - Hermann Hesse

  • O lobo da estepe define minha personalidade de buscador

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